O ideal romântico e a sexualidade de aparências
Masculinidade no pedestal, ciúmes, apps 'revolucionários': o futuro das relações precisa ser analisado com cautela
25.03.2019 | Por: Mayumi Sato
Renata Torres | Piscina
“Tudo é sobre sexo, exceto sexo. Sexo é sobre poder”: Oscar Wilde. Por trás da vida íntima, existe uma série de dinâmicas de poder que, inconscientemente, revelam como expressamos nossos desejos e lidamos com relacionamentos, ciúmes, sexo e parceiros.
Uma das nuances dessas relações de poder está em colocar o ciúme como um ideal romântico. E uma pesquisa da Universidade de Sunderland, no Reino Unido, mostra que os homens brasileiros são os mais ciumentos do mundo. Na nossa cultura, a demonstração de ciúmes é muitas vezes entendida como uma prova de amor e uma forma de “temperar a relação”, sem associação a um possível comportamento abusivo.
Outro estudo do psicólogo Elídio Almeida mostrou que seis em cada dez pessoas consideram ter ciúmes em excesso. Além disso, 38% não toleram que seu parceiro(a) sequer deseje ou fantasie algum contato físico com outra pessoa. Não é à toa que, apesar de relacionamentos abertos se mostrarem uma possibilidade para o futuro, na outra ponta vemos tantas relações abusivas calcadas na ideia de posse sobre o corpo do outro.
Outro espectro das relações de poder vem da masculinidade como forma de reafirmar uma posição de dominância. E essa é uma dinâmica que não está restrita a relações heterossexuais, mas também em relacionamentos homoafetivos e bissexuais.
“Quem é o homem da relação?” ou “Não me relaciono com ‘afeminados’” são algumas das expressões – infelizmente populares – que dizem muito sobre a forma como relacionamos o conceito de masculinidade com superioridade, e automaticamente o feminino com o que é inferior e submisso.
Colocar a masculinidade em um pedestal contribui para a manutenção de tabus
Casos de tráfico sexual de mulheres, crimes passionais e agressões a grupos LGBTQI também revelam que as estruturas de poder vão muito além das nossas relações individuais. Colocar a masculinidade em um pedestal contribui para a manutenção de tabus e a moralização do sexo, que aprisiona e reforça preconceitos em vez de empoderar.
Ter poder na vida sexual significa estar confortável com suas preferências, sem se sentir julgado ou ameaçado, mas isso desafia antigos conceitos, do que é ser homem e o que é preciso garantir para ser respeitado.
Sob os pilares morais estabelecidos pelo patriarcado, relações não-monogâmicas ou a “inversão” de papéis entre homens e mulheres no âmbito sexual são reprimidas ou colocadas na esfera do fetiche. Toda a sociedade perde ao viver uma sexualidade de aparências: na vida pública se diz uma coisa, e na privada, as fantasias são outras.
Se pensarmos que caminhamos em direção a um futuro pautado pela personalização e pelo controle total das experiências sexuais (alô, realidade virtual e robôs), é fundamental questionarmos essas dinâmicas. Afinal, hardwares e softwares reproduzem os vieses dos seus criadores, e hoje isso significa dar continuidade ao status quo, reforçando estruturas de poder que mantêm uma ilusão de benefícios (a poucos), quando na verdade oprimem a todos.
Por isso, é importante se perguntar sempre: isso que parece novo, revolucionário e futurista, quem produz, com quem conversa e a quem beneficia? Assim, fica fácil descobrir se aquele seu gadget novo, app de relacionamento e até o seu portal preferido de conteúdo conversam com o futuro que você quer ajudar a criar, comprometido com novos modelos de relação e de poder. Ou não passam de uma aparente novidade, mas que por trás de uma nova roupagem apenas reproduzem velhas e tradicionais dinâmicas sociais.
Mayumi Sato é idealizadora do cinicas.com.br, blogueira do UOL e diretora de comunicação do sexlog.com. Sabe mais da vida sexual de seis milhões de pessoas que participam da rede social do que da própria. É feminista, sex-positive e colaboradora do Futuro do Sexo, onde este texto foi publicado originalmente
0 Comentários