O isolamento social e as transas que (não) virão

Reflexões sobre a vida sexual na quarentena

21.05.2020  |  Por: Fabiana Gabriel

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O isolamento social e as transas que (não) virão

Ilustração: Juliana Montenegro (@_jumonmon)

Nos últimos dois meses eu e a parte de uma humanidade bem conectada e com informação começou a ser tomada por excesso de links e happy hours entre amigos. Muitos desabafos, comentários sobre mudança de rotina, trabalho, a montanha-russa de sensações que a pandemia nos causa etc etc.

Em meio a isso tudo um assunto parece ter emergido com mais frequência entre todos: o sexo na pandemia. Seja a privação involuntária que o coronavírus trouxe para os descasados ou a abstinência ainda mais explícita em relacionamentos de longa data. Talvez o forçado olhar pra dentro de casa e de si mesmo, em um contexto em que tudo parece estar fora do lugar, tenha feito com que tabus históricos encontrassem espaço para uma conversa onde antes não tinham entrada.

Nas vídeoconferências com amigos a curiosidade sobre a sexualidade alheia vira o ponto alto da pista virtual. Entre casais, a maioria admite – com certo constrangimento – que a vida íntima anda estremecida ou até ausente. Creditam, com argumentos totalmente razoáveis, a carga horária redobrada de trabalho, homeschooling, afazeres domésticos, preocupações com o futuro, entre tantas outras coisas. Alguns deles, na contramão, trazem depoimentos surpreendentes de um tesão renascido após anos de esfriamento entre o casal. Uma amiga – já altinha no Zoom – chegou a ter a cara de pau de afirmar, junto com o marido, que haviam combinado agora a prática do casamento aberto. Nada mais cômodo e cômico do que essa decisão nos dias atuais.

Enquanto isso, sex shops comemoram altas nas vendas de produtos eróticos entre o consumidores de ambos os sexos e diversas faixas etárias; especialistas no assunto dizem que estamos entrando numa nova era do autoprazer; e diretores renomados do audiovisual erótico, como a sueca Erika Lust, seguem produzindo, provando que a demanda por sexo continua firme e forte no universo remoto.

Entre conversas, amigos me surpreendem relatando descobertas impressionantes do próprio corpo enquanto não compartilham a quarentena com parceiros ao lado da cama. Lembram que não é só de reunião comercial, aulas acadêmicas e sessões de ginástica que as lives e videochamadas têm atuado; confessam estar fazendo ainda mais sexo agora, com eles próprios, do que antes, com parceiros fixos.

Talvez o sexo a dois (ou mais) hoje seja a prioridade de poucos e destemidos privilegiados

Um amiga costumava dizer que “sexo – quase sempre – é prioridade” pra perdoar qualquer ausência em evento social ou ligação não retornada, no passado. Mesmo com tantas recomendações tem gente que não anda abrindo mão da sua prioridade. Conheço um que tem recebido visitas de uma “gata fixa”, mas como tem piscina em casa pede que ela sempre dê um mergulhinho antes de eles iniciarem os trabalhos. “O cloro ajuda e a gente ainda faz uma sauna depois, é ótimo.” Talvez o sexo a dois (ou mais) hoje seja a prioridade de poucos e destemidos privilegiados…

Em meio a tantas incertezas fica a dúvida futura sobre as surubas nos novos tempos. No Zoom, cabem 50 pessoas – com folga… Se organizar bem, todo o mundo virtual transa. Mas em uma sociedade que caminha pra uma higienização sem fim parece até utópico pensar em abraços pelo corpo todo, beijos com desconhecidos e troca de fluidos aleatórios. Em pleno diálogo sobre amores livres, poliamor e tantas outras formas de expressão de individualidades da nossa contemporaneidade, a gente achava que jamais iria retroagir à censura viral dos anos 80, quando o prazer passou a ser risco de vida. No entanto, estudos recentes já começam a ventilar a hipótese de Covid-19 presente no sêmen…

Há quem diga que as surubas presenciais demorarão muito para voltar a acontecer. Eu poderia apostar que existe uma multidão sedenta por elas frente a tanta demanda reprimida de toque, de afeto e de prazer. Mas também tendo a crer que, por um tempo, algum medo se fará maior do que o desejo.

Entre tantos questionamentos sobre essa nova ordem, me pergunto como ficam os amantes. Ah, os amantes… Aqueles que exercitavam ilicitamente a liberdade (ainda que com alguma culpa) de desejos, de fantasias, do ir e vir entre quatro paredes… Como fazem? Como se isola à distância algo que, por essência, já estava fadado a certo tipo de quarentena sem prazo? Talvez mensagens picantes no Telegram tragam o alívio em meio a mais um dia da marmota; uma ligação debaixo do chuveiro termine em ereção ou gozo; ou até um direct do Instagram traga uma fantasia qualquer que leve pra longe um dia difícil…

Mas… E depois? Quando é esse depois? Como vamos lidar com o toque de velhos ou novos conhecidos; com a reconexão de um mundo externo após um mergulho tão íntimo? Transaremos de máscaras, com exames prévios acordados? Teremos oxímetros em punho ao lado de vibradores? Ou, tal qual o HIV, sofreremos as consequências de uma geração imediata panicada, seguida de outra completamente displicente, livre e alheia aos riscos que o prazer traz? Sofreremos uma nova onda de caretice de um sexo asséptico carregado de culpa e álcool gel?

Talvez muitas respostas ainda não virão, assim como as transas, mas nos resta acreditar que, em alguma medida, o prazer sempre há de vencer e ficaremos imunes a tudo isso…

 

Fabiana Gabriel é jornalista com pós em marketing e uma eterna curiosa sobre o comportamento humano

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