O que aprendi com o Tinder
Estudar o comportamento humano através de aplicativos de relacionamento pode ser divertido, além de ótimo passatempo em tempos de quarentena
11.05.2020 | Por: Giulianna Palumbo
Há quem ocupe a memória do celular com joguinhos coloridos e quem ocupe com aplicativos de relacionamento. Eu, particularmente, otimizo o app de relacionamento e lhe dou a função de jogo virtual onde só existe o player um. Sério, meu passatempo favorito sempre foi ler a descrição que as pessoas colocam em suas bios do Tinder, uma literatura deveras refinada e que me preenche enquanto ser humano. E em tempos de quarentena, em que ninguém mais pode se encontrar com ninguém, essa atividade parece ter virado tendência. Agora existe até um site, o Human Online, em que você fica por um minuto, em silêncio, cara a cara com uma pessoa de algum lugar do mundo – sim, quase configura uma performance da Marina Abramovic. O que importa é mantermos o contato com desconhecidos ou, pelo menos, seguir bisbilhotando suas vidas sem precisar sair de casa. Estudar o comportamento humano através de aplicativos de relacionamento pode ser divertido, além de ótima distração pra quem está louco pra mandar mensagem pra quem não deve.
Eu admito que meu único namoro surgiu no Tinder, graças à descrição de um garoto que dizia ter vindo do futuro para me resgatar, o que eu considerei bastante criativo; e se tem algo que eu procuro em um aplicativo de relacionamento é uma boa ficção. Assim que demos o match, ele continuou fingindo que a história de ter viajado no tempo era verdadeira até me convencer. Hoje estamos casados e temos dois filhos. Brincadeira. Infelizmente, nosso namoro não deu certo porque ele encontrou o meu Twitter. E é muito difícil ter Twitter e manter um namoro sério, tendo em vista que em 280 caracteres eu desabafo sobre todas as coisas que se passam no meu coração e quebro meu próprio encanto. Dessa maneira, considerei mais relevante manter o meu relacionamento com o Twitter, que já dura 11 anos, do que arriscar perder minha rede social favorita por um namoro com uma pessoa real.
Depois disso, definitivamente desisti de usar o Tinder para fins de namoro e passei a usar apenas como estudo social. Notei, por exemplo, que a presença de casais procurando mulheres para uma relação a três aumentou consideravelmente de uns anos pra cá. Alguns deles colocam o mapa astral tanto do homem quanto da mulher justamente pra que você já tenha noção de onde está se metendo. Outro dia eu esbarrei num casal cujo mapa astral do homem era excelente, mas logo detectei que a menina me traria problemas com seus signos de água e infelizmente não pude deixar meu like. Às vezes eu deixo like apenas como forma de elogio às descrições bem escritas e elaboradas. Colocou na bio “inimigo do véio da Havan”, me convenceu! Um caso que me chamou a atenção foi o de uma menina chamada Laura cuja descrição dizia: “The Office, temporada 4, episódio 1, minuto 11, segundo 23 ao 28”. Ela me jogou um enigma, me deu uma tarefa, ocupou meu tempo, me fez sair do aplicativo e procurar uma cena específica de The Office, logo, levou meu like e consequentemente todo o meu amor. Se paramos pra conversar? Claro que não, aí já seria demais.
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As meninas têm descrições infinitamente melhores do que os homens, diga-se de passagem. Muitas delas utilizam memes, recomendam séries, são sucintas, divertidas e sabem escolher as melhores fotos com seus melhores ângulos. Entre os meninos, é muito comum que eles informem altura e peso, não faço ideia do porquê. Em menos de meia hora navegando pelo aplicativo, encontrei dois caras com a mesmíssima descrição que dizia: “Se você pudesse acordar amanhã em qualquer lugar, onde seria?” Gostei da pergunta, mas devido à sua bizarra repetição, fiquei confusa se isso é um meme da comunidade hétero – e, respondendo ao questionamento, eu gostaria de acordar em minha própria cama, visto que me assustaria acordar em outro lugar de repente.
Pessoas que me divertem no Tinder são:
- As que estão bravas e escrevem em caixa alta, demonstrando descontentamento com alguém com quem ainda nem deram match;
- As que possuem espírito empreendedor e oferecem massagens tântricas a preços acessíveis;
- As que escrevem diálogos e me dão a oportunidade de interpretá-los como se eu estivesse estrelando uma peça de teatro;
- As que são bem específicas, como o Danilo que disse: “Gosto de gente que treta com a família no Natal”;
- E agora, as que estão entediadas na quarentena, como o Cristiano, cuja foto de perfil é ele mesmo deitado no sofá, cercado de rolos de papel higiênico e uma descrição que diz: “Manda foto de agora lavando a mão.”
Em tempo: a minha descrição não é nada original, somente um: “Não acredito que instalei isso de novo.” Mas, tendo em vista que não quero me relacionar, e mesmo se quisesse agora não poderia mesmo, me poupo do esforço de ser criativa e ocupo o feliz lugar de observadora. Desse modo, o que posso aconselhar a quem me lê é que tome bastante água, lave as mãos várias vezes ao dia, fique em casa e quando tudo isso acabar, tenha mais critério. Seu corpo é um templo e não deve ser frequentado por pessoas com descrições ruins no Tinder.
Giulianna Palumbo é escritora, roteirista e produtora editorial. Possui três livros publicados, é louca por cultura pop e pode ser facilmente encontrada em festas drag ou comendo carboidratos no centro de São Paulo
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