O que é ‘greenwashing’ ou a fantástica fábrica de produtos falsamente naturais
Embalagem craft, design natureba, slogan sustentável: as pegadinhas verdes seguem em alta no mundo da maquiagem e da alimentação no Brasil
19.11.2019 | Por: Marcela Rodrigues
A “maquiagem verde” está em alta. E não estamos falando de batons, máscaras de cílios e corretivos com fórmulas ecológicas. O termo greenwashing faz referência a um conjunto de atitudes nada éticas que têm sido adotadas por parte da grande (e até da pequena) indústria de produtos de beleza (alimentação e moda também entram nessa) que, identificando que a busca por um estilo de vida consciente não é apenas um modismo – e sim uma nova forma de consumir –, se aproveitam da causa para vender mais. Lucro, sempre lucro.
Elas se valem de artifícios diversos para dar a entender, ou fazer parecer, que um determinado item é natural, enquanto sua fórmula possui diversos aditivos e ativos químicos que não estão dentro das regras pontuadas pelas certificadoras.
Segundo um posicionamento da Ecocert Brasil, órgão de inspeção e certificação, o greenwashing é praticado em diversos segmentos porém pode ser melhor evidenciado em alimentos e cosméticos, visto que são produtos comprados com frequência e também acessíveis a todos os públicos.
Quando uma empresa pratica o ‘greenwashing’
Um exemplo bem comum são as marcas que criam embalagens que, visualmente, nos remetem ao universo saudável e natural, com elementos como tons de verde, imagens de ervas e flores e palavras-chave comuns nesse nicho, como “natural”, “óleo”, “essência”, “lavanda”. Como assim? Um shampoo com extrato de lavanda e melaleuca (dois dos óleos essenciais mais emblemáticos da aromaterapia) não faz dele um item natural? Não! Se na fórmula não tiver sido realmente utilizado um óleo essencial. Lembrando que essência não é natural e sim um ativo sintético! Um cheirinho apenas.
Casos comuns nas prateleiras da alimentação são empresas que supervalorizam os nutrientes dos alimentos: evidenciando em letras grandes que o leite é rico em cálcio, por exemplo recorrente. Mas todo leite apresenta alto teor de cálcio. Ops!
Pense ainda em marcas que promovem a venda de carne de frango supostamente natural, devido à ausência de hormônios na produção. Porém, sabe-se que não se utiliza hormônios para estimular o crescimento dos frangos – há uma lei regulamentando isso. No entanto, esse tipo de informação na embalagem induz o consumidor ao erro, fazendo-o acreditar que está comprando algo com a vantagem de ser natural.
Luiza Martins Reguse, quality office da Ecocert, destaca que essas práticas, a longo prazo, descredibilizam muitos produtos, mesmo os que possuem selos e garantias, pois o consumidor deixa de acreditar e passa a comprar qualquer um, sem considerar os atributos de fato ecológicos por pensar que “é tudo a mesma coisa”.
Mas nem tudo está perdido. No artigo “Greenwashing e os conflitos éticos da propaganda ambiental”, do ecólogo Erico Pagotto, mestre em Ciências e doutorando em Sustentabilidade da USP (Universidade de São Paulo), e publicado no ‘NEXO ACADÊMICO’, algumas práticas, ações e discursos ajudam a identificar o greenwashing:
- Usa imagens, sons ou vídeos ambientais sedutores.
- Trata obrigações legais como investimentos em meio ambiente.
- Omite impactos ambientais negativos da operação de seu negócio, destacando apenas os positivos.
- Mente, usa dados falsos, faz afirmações que distorcem a realidade ou que não podem ser provadas.
- Usa somente jargões técnicos incompreensíveis.
- Utiliza uma identidade visual ambientalista, “esverdeada”.
- Desvia atenção para projetos socioambientais paralelos.
O que fazer
A atenção não deve ficar apenas no rótulo, mas nas ações e discursos que as marcas usam no dia a dia, até mesmo nas redes sociais. Vale ficar de olho nas regras que órgãos inspetores impõem e nos selos que definem se um item é do time orgânico e vegano, por exemplo. Convido vocês a clicarem, depois, neste artigo, onde essa diferença é esclarecida de maneira bem didática.
Na dúvida, troque ideias com movimentos, procure as certificadoras e entre em contato com a marca em questão. Se o atendimento não explicar a pergunta, desconfie! Não precisa ir contra, mas troque de marca. E repense seu consumo de beleza.
O momento é de nos responsabilizarmos pelas nossas escolhas e pelo no impacto que elas causam. Seja críticos. Questionem, perguntem, esclareçam.
Descobri que uma marca pratica ‘greenwashing’, o que faço?
Você pode simplesmente riscar tal marca da sua lista de compras e jamais recomendá-la. Mas é possível fazer mais.
“Visto que em alguns setores como o de cosméticos essa questão não está regulamentada, é uma questão complicada. Pois não há, de fato, para quem denunciar diretamente”, diz Ana Luiza. Mas uma importante ferramenta de apoio podem ser os serviços de atendimento ao consumidor, como o PROCON e o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Logo no topo da home do site há um campo “faça a sua reclamação sobre propaganda”.
Já em relação aos produtos orgânicos, por ser um setor regulamentado, qualquer produto irregular pode ser denunciado ao ministério da agricultura ou a própria certificadora.
O ‘greenwashing’ além do produto
Costumo dizer que a “maquiagem verde” passou dos produtos e chegou às notícias, às pessoas, às personalidades. Nem todo mundo que fala de sustentabilidade é, de fato, um entusiasta das práticas sustentáveis. Nem todo mundo que usa e faz resenha de maquiagem natural é expert ou usuário do conceito de beleza natural. Fique atento!
Marcela Rodrigues é jornalista especializada em consumo consciente e bem-estar, herbalista e entusiasta do movimento slow beauty. É autora do site a Naturalíssima, onde fala de estilo de vida sustentável e práticas de autocuidado
*Este texto foi publicado originalmente no site Naturalíssima
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