O que você tem lido?

Precisamos deixar de lado os autores consagrados e os mais vendidos e abrir nossas prateleiras e mentes para o contemporâneo, os independentes, o Norte, o Nordeste, o que diverge, o que resiste

23.07.2018  |  Por: Amanda Lira

image
O que você tem lido?

Eu escrevo desde que entendi que isso me fazia bem, aquela história que pode parecer clichê, mas realmente se tornou minha válvula de escape – principalmente durante a adolescência. Cresci com o sonho de ter um livro publicado, de ver as pessoas lendo e se identificando com o que eu escrevia, mas dentro da minha realidade isso era algo muito distante.

Conheci muitas outras mulheres que também escrevem e viviam com o mesmo sonho. Em comum tínhamos também a sensação de que isso era praticamente impossível.

Muitas vezes me peguei diante das gôndolas de livros me perguntando: por que existem tantos autores homens que recebem prestígio e destaque nas livrarias, enquanto as poucas mulheres são vistas como bibelôs nas prateleiras? “Olha que fofa, ela escreve poemas.”

Mas daí veio a internet com seu espaço vasto e se juntou com as boas ideias. Neste momento, as pessoas que estavam sempre caminhando nas margens começaram a erguer suas próprias prateleiras. Minorias como mulheres negras e LGBT+ encontraram lugar, palco e público. Foi ali que o mercado independente tomou força e vimos crescer nomes como o da escritora Jarid Arraes.

Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), e influenciada pelo pai e pelo avô, ela começou a publicar seus cordéis aos 20 anos. Foi depois de colaborar em diversos blogs com artigos de opinião sobre Direitos Humanos e também sobre cordéis que abordam questões como feminismo, luta contra o racismo e a direitos LGBT+ que Jarid lançou seu primeiro livro, em 2015. As Lendas de Dandara, com edição independente, fala sobre Dandara dos Palmares, a esposa de Zumbi, e mescla fantasia com fatos reais tendo como cenário a luta quilombola no Brasil.

“Já ouvi que mulher escreve cordel diferente, mais ‘sensível’, mais fofo. E olha, se tem uma coisa que meu cordel não é, é fofo. Eu queria provar que o mercado estava errado quando rejeitou aquela história – ‘só porque’ eu era uma autora que não se encaixava em seus padrões raciais e regionais. É um livro que sempre renova minhas forças e minha motivação, porque me ensina que a coletividade nunca pode ser esquecida.”, relata Jarid sobre sua primeira publicação.

Jarid é uma das mulheres que resolveram levantar e agir depois de perceber como o mercado era difícil para mulheres escritoras. Uma das suas iniciativas foi a criação do Clube de Escrita para Mulheres, projeto gratuito para reunir as que amam escrever, seja por hobby ou profissão: “É uma tristeza, porque tem muita gente criando e escrevendo uma literatura incrível, a maioria pelas margens, com edições independentes, artesanais, zines, cordéis. Não são os convidadas para os eventos gigantes que todos celebram.”

Além das parcerias, a escritora também incentiva mulheres a irem em busca da autorrealização e da publicação de seu próprio livro. Ainda existe o velho padrão ultrapassado, mas cada vez mais o fazer com as próprias mãos – buscando métodos alternativos como Medium e Amazon Publishing – mostra que haverá leitores, oportunidades e palavras de apoio.

Jarid deixa claro o quanto é importante a busca pelo seu próprio espaço: “O mercado é racista, é machista, só tem olhos para o Sudeste e para o Sul, para um tipo de literatura que é bajulada pela academia. É mais do mesmo, um tipo de piloto automático. Parte por burrice, parte por medo, parte porque não sabem fazer diferente e falta repertório, falta criatividade. Precisamos ler menos os consagrados e o cânone e ler mais o contemporâneo, os independentes, o Norte e o Nordeste, o que diverge, o que resiste. Me sinto otimista com o que estamos construindo e acredito que não tem volta.”

Amanda Lira é jornalista, escritora independente e está buscando seu espaço no mundo

0 Comentários

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *