O racismo está nos títulos, nas pautas e nas entrelinhas
Indignado com a representação dos negros nas mídias, o coletivo Alma Preta cria site para discussões ignoradas pela grande imprensa
20.12.2019 | Por: Equipe Hysteria
Muita gente acha que racismo é sempre uma atitude violenta, como xingamentos que façam referência direta à raça ou um ódio explícito à diferença étnica. Mas esse é um jeito bem simplista de ver a história. O racismo hoje está entre nós de forma institucionalizada e aparece em diversos setores da sociedade, inclusive no jornalismo.
Jovens negros pegos com drogas são rapidamente chamados de traficantes nas manchetes, mas se são brancos, eles têm profissão, sobrenome e são apenas “jovens pegos com drogas”. Esse é um exemplo de como o preconceito racial está nas entrelinhas, nos títulos e na forma publicar a notícia.
Foi para enfrentar essa situação e também para criar um espaço de reflexão que um grupo de jovens da Unesp se juntou decidido a fazer diferente. Assim nasceu o coletivo Alma Preta, que desde 2015 atua como uma agência de jornalismo independente com foco na temática racial. “Nosso dever não é apenas informar, mas também produzir conteúdos de utilidade pública que alcancem os anseios da comunidade afro-brasileira”, diz a bio no site que traz desde análises sobre decisões judiciais racistas até perfis de afroempreendedores. É representatividade que chama. É valorização da cultura negra, exigência de direitos e questionamento sempre que se fizer necessário.
Para Pedro Borges, um dos idealizadores do coletivo, vemos nos veículos tradicionais hoje uma mistura de não retratação com péssima retratação dos negros. “É uma representação extremada. Ou é um jogador de futebol, o negro que mobiliza o país e tem um carisma enorme, ou é o jovem que dá medo e desgosto, aquele que as pessoas não têm pudor algum de dizer nos comentários que querem ver executado. Não tem o meio termo, não tem o negro comentando nas matérias sobre medicina e economia. O espaço do comum é restrito à branquitude”, ele explica.
O Alma Preta é justamente esse lugar onde as pessoas que não são nem o jogador de futebol e nem esse jovem em situação de extrema vulnerabilidade podem se reconhecer e se sentir acolhidos pelas manchetes e pautas.
E se passou pela cabeça de alguém que esse tipo de iniciativa é exagerada, vale lembrar uma pesquisa da Andi chamada Imprensa e Racismo – Uma análise das tendências da cobertura jornalística, que faz um rastreamento de práticas racistas que agem de modo silencioso. A análise aponta a propensão dos jornais impressos brasileiros em dissociar as violências físicas praticadas contra a população negra do debate sobre seu contexto, escamoteando, assim, toda a violência simbólica do racismo. Isso mostra a importância de mídias independentes que não só iluminem esses fatos como ofereçam outros olhares e dinâmicas.
O jornalismo não racializa as discussões
Para Vinicius de Araújo, outro idealizador do projeto, existe um movimento em direção a uma representatividade da população negra nas mídias, mas ele ainda está engatinhando. “O jornalismo não racializa as discussões e quando o faz é de forma rasa. Também vemos que muitas vezes as mídias não dão importância para alguns assuntos necessários para a população negra ou quando dão é de forma enviesada”, diz.
Reportagens publicadas pelo Alma Preta já serviram de instrumento para pressão social em alguns casos emblemáticos. Um deles foi quando depois de um assalto na Zona Leste de São Paulo um jovem foi preso. “Fizeram uma descrição, disseram que era ‘um homem preto’. A testemunha viu o moleque e disse: ‘é esse’. Todas as outras provas indicavam que não era ele, que estava trabalhando, tinha a marcação do ponto e a chefe que até fez uma carta dizendo que no horário do crime ele estava lá do outro lado da cidade. Mas mesmo assim ele ficou alguns meses preso”, conta Pedro. A reportagem que contava quem era ele, falava do filho, do futebol de várzea que jogava aos domingos e do álibi ignorado teve grande repercussão. “Serviu como pressão e o rapaz foi solto pouco tempo depois”, lembra.
Elaine Silva, uma das jornalistas do coletivo, conta que um dos motivos pelos quais ama o que faz é a possibilidade de enxergar o ser humano em qualquer pessoa. “A gente não distingue as pessoas por importância, aqui todo mundo tem o mesmo valor”, diz. “Além disso, a gente vai até o local, entra nas questões, fala com todo mundo e isso faz toda a diferença na hora de contar a história.” Pra ela, conseguir olhar para pautas que não estão na agenda de grandes veículos também faz toda a diferença. “O jornalismo ainda é muito engessado, segue um padrão de assuntos que deixa muitas coisas de fora, como as questões sociais. No geral, ele está voltado para um público só. Por isso as mídias independentes são tão importantes: elas conseguem abraçar outras coisas”, completa.
Depois de se formar em jornalismo no interior da Bahia, Adrielle Coutinho começou a trabalhar com protagonismo negro. Primeiro em Salvador, depois em São Paulo e Nova York. Hoje ela colabora com o Alma Preta, um site que permite contar histórias reais de maneira orgânica: “sinto que o Alma preta é o storytelling da vida real”, resume.
É para que os fatos e as notícias sem preconceito cheguem a mais gente que a Converse resolveu contar essa história. Funcionando como uma plataforma de expressão, a marca quer inspirar os jovens amplificando a voz de três coletivos, cada um com um propósito diferente. Alma Preta, Rimadores do Vagão e Coletivo Tibira mostram que juntos somos mais fortes e vamos mais longe.
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