O zen-budismo e a moda
Como o conceito japonês Wabi-Sabi tem tudo a ver com o momento de autoconhecimento provocado pelo novo feminismo e pode mudar radicalmente o consumo fashion
12.12.2018 | Por: Nina Ribeiro
Nascido no budismo japonês, o Wabi-Sabi é um conceito filosófico e estético que celebra a beleza da imperfeição, o valor do impermanente e o envelhecer natural dos elementos. Enquanto a sociedade pauta seu padrão de beleza na simetria e constrói parâmetros sobre a proporção perfeita, a filosofia Wabi-Sabi propõe uma ruptura necessária e fresca aos nossos meios de produção e à forma como consumimos moda e beleza.
É inegável: estamos todas em uma jornada de autoconhecimento. Buscamos a cada dia mais nos reconhecer fora dos estereótipos de uma sociedade patriarcal e opressora. E nos esforçamos para deixar pra trás algumas certezas e que nos foram impostas por tanto tempo.
Nesse caminho esperamos que grandes totens da feminilidade-padrão, como a moda e o ato de comprar, sofram o baque da nossa mudança. Há uma boa parte de nós que, como consumidoras, está cada vez mais impaciente com tendências efêmeras e com a rapidez com que produtos desejados se tornam descartáveis.
É por isso que a filosofia Wabi-Sabi cai bem neste momento. O conceito traz múltiplas ideias sobre liberdade, valorização do desgaste natural de elementos orgânicos, apreciação de falhas e defeitos como qualidades, e também o acolhimento do fim das coisas.
Apresentado ao Ocidente em meados dos anos 90, o conceito zen-budista foi absorvido por designers das mais diversas áreas de atuação. Cada vez mais utilizado em projetos de arquitetura e decoração, que prezam por elementos na sua forma natural e com pouca intervenção proposital, o Wabi-Sabi começou a se infiltrar na moda há muitos anos.
No processo criativo, a influência dessa filosofia deu as caras já na coleção outono/inverno de 1982 da marca japonesa Comme des Garçons, assim como em diversas peças criadas pela belga Maison Martin Margiela. Mas é em meio à nova onda feminista e ao nosso gigante processo de desconstrução de padrões que a teoria aparece como uma alternativa palpável, tanto para a indústria de moda como para seu mercado.
O que o Wabi-Sabi sugere é a busca pela liberdade estética, tanto no nosso relacionamento com a roupa quanto na forma de enxergar o nosso corpo adornado por ela
Para nós mulheres, a moda sempre foi um balaio de regras e truques que prometiam elevar nossos corpos ao olimpo. O vestir nunca foi um processo simples. Era preciso consultar uma lista, cada vez mais detalhada, de como esconder isso ou disfarçar aquilo, alongar, estreitar, afinar e não marcar.
O ato de vestir-se no Wabi-Sabi faz o movimento inverso do que foi proposto pela moda durante anos: pede a celebração da imperfeição e o acolhimento do que é “defeito”, para que possamos enxergar nossas supostas falhas como aspectos essenciais da nossa beleza. O que o Wabi-Sabi sugere, e faz um reboliço na moda, é a busca pela liberdade estética, tanto no nosso relacionamento com a roupa quanto na forma de enxergar o nosso corpo adornado por ela.
Mas mais do que uma influência direta na forma como nos vestimos, o conceito pode ser uma fundamentação essencial para guiar novos meios de produção e consumo. Devolver o valor às roupas com pouca intervenção proposital e dar preferência a elementos em sua forma natural ou crua muda toda a forma como lidamos com a matéria-prima, por exemplo, e estimula a busca por um melhor aproveitamento dela.
Ao mesmo tempo, o conceito de impermanência estimula a perspectiva positiva sobre o decaimento natural das peças. Costuras que se desfazem, furos no tecidos e até manchas causadas pelo tempo apenas acrescentariam mais personalidade e beleza à roupa. Porque para o Wabi-Sabi o ciclo de vida de um produto é longo e lento. Não há descarte no primeiro defeito detectado, pelo contrário. Com isso, tanto a indústria da moda quanto o consumidor ganhariam tempo. E, a longo prazo, veríamos uma desaceleração do desejo do consumo, que por sua vez diminuiria a necessidade da produção em massa.
É através da liberdade estética e do simples conceito de que a beleza é imperfeita que podemos revolucionar um dos mercados mais tiranos e opressores do mundo. Que tal uma moda que, finalmente, seja compatível com nossa nova forma de enxergar a nós mesmas?
Nina Ribeiro é mãe e escreve sobre feminismo e moda na internet. Tem um projeto no Instagram com textos sobre amores que acabam
0 Comentários