Onde estão as lésbicas?

A revista 'Brejeiras' enfrenta a heteronormatividade e põe a palavra sapatão no centro do debate

29.08.2018  |  Por: Leila Ferrell

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Onde estão as lésbicas?

O movimento de mulheres cresce em todo o mundo e, assim, uma série de lutas toma forma. O movimento gay está estruturado, mas quando se pensa nele, sejamos sinceros, a primeira coisa que vem à mente é dois moços de mãos dadas. No meio desses dois caminhos estão as lésbicas.

A falta de debate e de representatividade e a marginalização das narrativas de mulheres homossexuais no Brasil se fez perceber e, por isso, aproveitamos agosto, Mês da Visibilidade Lésbica, para rever e discutir o apagamento diário feito pelas mídias tradicionais. Mas como levantar a bola uma vez no ano não basta, damos a palavra à revista Brejeiras, que é totalmente produzida por mulheres lésbicas e tem como objetivo “ampliar os espaços de fala e trazer as mulheres para o centro do debate”. Todos os dias.

Vindas de partes diferente do Brasil, Camila Marins, Cristiane Furtado, Laila Maria, Luísa Tapajós e Roberta Cassiano se encontraram na militância no PreparaNEM, preparatório para o Enem voltado para pessoas trans, travestis e em situação de vulnerabilidade social e preconceito de gênero. E, no começo do ano, conversando sobre a falta de representatividade sapatão na mídia, começaram a esboçar a ideia do que seria uma revista lésbica. “Certamente, nossas vidas teriam sido muito diferentes se na adolescência tivéssemos acesso a um meio de comunicação voltado para nós”, garantem. Aqui, elas contam como está sendo esta jornada.

Quais são os maiores desafios de produzir a Brejeiras especialmente nesse momento em que vemos o conservadorismo ganhar força?

Os passos largos do conservadorismo nos fazem encarar a feminilização da pobreza, a dificuldade de acesso aos espaços de fala e também ao lazer. Ou seja, nossos maiores desafios são também nossos principais objetivos: viabilidade econômica (como sustentar a revista, como transformá-la em nosso sustento e fortalecer uma economia solidária), representatividade (reunir mulheres lésbicas e movimentos que nos representem e atuar na identificação e expansão de imaginário para nossas leitoras), diversão (que a revista tenha uma construção e uma leitura prazerosas) e afeto (que expanda o amor entre mulheres do campo privado para a coletividade e o fortalecimento de redes).

O que vocês abordam?

O que fazemos quando nos apaixonamos pela primeira vez? O que fazemos quando uma menina rompe nosso coração? Que beleza nos atrai? Que corte de cabelo queremos fazer? Como abrimos as portas do armário? De quantas maneiras podemos seguir vivas e amando? Tudo isso que as revistas, os livros, filmes, propagandas, escolas, igrejas e conversas de botequim oferecem em abundância para pessoas heterossexuais, sobretudo brancas, mas nos é escasso. É tão importante ler uma revista onde não somos apenas uma pequena cota, onde não somos exceção, não estamos erradas e nem precisamos ser superficiais. Isso faz toda a diferença na construção de nossa autoimagem, de nossos sonhos e desejos. Por isso, e muito mais, somos uma revista feminista e antirracista de lésbicas para lésbicas. Não há proibições, apenas uma advertência: “Esta revista é prejudicial à heteronormatividade e pode causar insônia para pessoas acometidas de lesbofobia.”

Vocês anunciam que fazem comunicação feminista. Expliquem isso.

O mundo patriarcal em que vivemos não nos ensina a amar as mulheres, mas sim a explorar, usurpar e competir. A competição é incentivada nas mídias hegemônicas de forma brutal. Nossa comunicação visa formas de alianças e a possibilidade de seguirmos juntas, numa rede de afeto e apoio. Estamos experimentando e construindo uma comunicação feminista baseada em alguns princípios como cuidado, respeito, escuta, oralidade e, principalmente, consentimento.  

Como a Brejeiras se faz ativa nessa luta?

Brejeiras faz parte de um movimento. Convidamos lésbicas jovens que fazem canais em plataformas digitais; lésbicas mais velhas que nos mostram como já são longos os passos dessa jornada; mulheres que não conhecemos e que nos mandam textos, ilustrações, dicas e receitas. Fazemos uma revista que é disparadora de encontros, e isso é muito importante. O lançamento da primeira edição reuniu mais de 300 lésbicas e o da segunda, mais de 200 na livraria Blooks no Rio de Janeiro. É uma rede que se forma. Fizemos também um evento na Casa das Pretas e reunimos mais de 100 mulheres negras. E fazemos questão de enviar exemplares para eventos feministas de norte a sul. E com tudo isso vamos provocando uma revolução. Quando falamos em visibilidade lésbica estamos provocando a sociedade a assumir nossa existência e a pensar em políticas públicas.

No dia 27 de julho Marielle Franco teria feito 39 anos. Na segunda edição vocês trouxeram uma entrevista com a Monica Benício, viúva da ex-vereadora. Como enxergam esse caso diante da atual conjuntura do país?

Nossas vidas e nossas lutas promoveram muitos encontros entre nós e Marielle. Perdê-la é absurdamente duro. A vida de Marielle era potência e união para nossos movimentos, o mandato de Marielle era uma conquista coletiva, por isso sua morte é uma ameaça para nossas vidas. Entrevistamos Monica pois ela é inspiração de força e amor. A ideia era dividir a dor e somar na luta, pois sabemos que nesses momentos ser lésbica tem efeitos afetivos, econômicos e jurídicos. Nos unimos à Monica contra o apagamento do relacionamento delas. A entrevista está repleta de afeto, admiração, cumplicidade e acolhimento.

 

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