Os peitinhos livres do carnaval

A escritora Letícia Gicovate e a fotógrafa Simone Marinho refletem sobre a explosão da nudez na folia

07.03.2019  |  Por: Letícia Gicovate Simone Marinho

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Os peitinhos livres do carnaval

É carnaval no Brasil, enquanto aqui, no norte da Inglaterra, a gente toma uma mistura de frutas com espumante (maravilhosa) que minha amiga de Santa Catarina jurou de pés juntos que era uma bebida típica do carnaval. A trilha é Cartola, pra eu me sentir menos alienígena e vibrar um pouco no clima do Rio de Janeiro. Pero com uma dose de melancolia, afinal, é carnaval, e eu estou no norte da Inglaterra.

Algumas taças depois, “o ponche típico do carnaval” ameaça fazer sentindo, enquanto no Instagram explodem imagens dos peitinhos livres do carnaval carioca. Que alegria, que inveja, penso de dentro dos meus dois casacos, lembrando que há quatro carnavais, o último que eu passei pelas ruas do Rio, se divertir com os peitos de fora ainda era um grande tabu. Pelo menos pras mulheres.

Vira e mexe tenho que supreender um gringo contando que o Brasil é moralista pra cacete, e acabo deixando meu amigo inglês perplexo com a informação de que o topless é proibido por lei no país tropical, que a gente não pode deixar nosso peitinho sorrir livre na praia, e precisa cobrir o mamilo e a vontade com camadas de areia, água do mar e tecido sintético.

E a grande catarse do carnaval brasileiro tem a ver com isso, é essa explosão de nudez nas ruas e avenidas, nossos peitos estão a vender cerveja e alegrar camarotes, aumentam a audiência da televisão no horário nobre, somos sexualizadas à exaustão pra satisfação do olhar masculino, mas na realidade, se quisermos fazer isso porque estamos com vontade, pasme, não temos o direito.

“É puro exibicionismo, é pura vontade de aparecer”, brada o amigo carioca do meu lado, que certamente tira a camisa e brinca aliviado no delicioso calor infernal do carnaval do Rio.

E se for?

Então é preciso saber que os homens vão ficar excitados”, diz o inglês. E eles vão precisar lidar com isso. Os homens precisam se educar para o fato de que a nudez dos nossos peitos não é um convite, e mesmo que seja a mais pura expressão do nosso exibicionismo, o fato de uma parte da nossa anatomia ser censurada torna o topless um ato político per se. Nós podemos poder.

Nosso peito livre pode estar aberto à contemplação no carnaval, e é preciso que seus olhos e seu pau se eduquem pra que apreciá-los não implique em tocá-los sem a nossa permissão. Como obra de arte, como as tortas expostas na vitrine da padaria, como a boca de um leão.

Com educação, naturalidade e respeito, quem sabe um dia, além dos quatro dias de folia, poderemos estar livres pra não usar sutiã sob a blusa se ele oprimir nosso conforto, poderemos estar livres pra tirar o sutiã na praia ou no parque porque ora bolas, tá calor, poderemos estar livres pra amamentar nossos filhos ao ar livre sem que isso tome contornos de atentado ao pudor.

Retomamos a posse dos nossos corpos, e isso não vai mais se acabar na quarta-feira.

 

Confira abaixo o ensaio Coberto, Descoberto e Redescoberto, da fotógrafa Simone Marinho:

“É possível acabar com o tabu dos mamilos femininos? O intuito deste ensaio é questionar a forma como a sociedade olha para os corpos, os objetifica, taxa e censura. Por que homens podem ficar sem camisa e mulheres não? Por que os peitos das mulheres são sempre percebidos de uma maneira sexualizada enquanto eles têm a liberdade e segurança de andar nas ruas sem camisa? Esse traço da sociedade é também replicado nas redes sociais, onde os mamilos das mulheres são sempre censurados, enquanto os dos homens passam livres, leves e soltos nas nossas timelines. A proposta desse conjunto de fotos, feitas durante o carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro em 2019, é  levantar a urgência de olhar para o corpo da mulher como um corpo que deve ser respeitado, em qualquer condição, para além de ser objetificado. É também um convite  a romper com as normas que tanto comandam comportamentos, relações, vontades e sentimentos.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Letícia Gicovate é editora de conteúdo, escritora e uma das criadoras, ao lado de Alice Galeffi, da revista Nin

Simone Marinho, carioca que mora em São Paulo, é fotógrafa independente, mestranda em Comunicação Social da PUC-Rio, pós-graduada em Fotografia Documental como Instrumento de Pesquisa Social e formada em jornalismo pela UFRJ. É uma das fundadoras do Fotógrafas Brasileiras, um movimento que une mais de 2000 mulheres da imagem. Trabalhou no jornal O Globo por 14 anos, recebeu o prêmio Mulher Imprensa, na categoria fotografia. É coautora do livro Nos Limites da Amazônia Azul. Seus trabalhos autorais e de pesquisa tratam de temáticas relacionadas às mulheres

1 Comentários

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Uma resposta para “Os peitinhos livres do carnaval”

  1. Marcia Quintanilha Arouca disse:

    Tenho percebido que além do machismo masculino, há muitas mulheres machistas. Temos que falar mais sobre os direitos e igualdade.

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