Pense pequeno (e salve o mundo)
Quando entendi que aquele cartão de plástico que carrego tem um grande poder, uma nova consciência tomou conta de mim
28.05.2018 | Por: Paula Dib
Já tem um tempo que comecei a ver o dinheiro como energia, sim, daquelas que a gente coloca nas coisas e na vida. Dessa forma, a cada vez que vou usar o meu, posso usar também o meu poder de escolha e colocar “energia” no que quero de fato ver acontecer.
Essa mudança de pensamento parece pequena, mas me trouxe uma consciência especial para o ato corriqueiro de comprar. Veja: colocando minha força, me torno um elo e sou corresponsável (para o bem e para o mal) pela manutenção de determinada atividade. Claro que isto sempre esteve implícito, mas para mim as coisas ficaram mais claras quando comecei a olhar para aquela nota de papel ou cartão de plástico pensando no poder que eles têm.
Exercendo minha escolha, elejo (sempre que possível) produtores que escolheram fazer à mão e em pequena escala. Seus corpos e suor são parte de um processo vivo no qual se produz o de comer, o de vestir e o de rechear nossas casas.
E assim, mudei não só meu modo de consumir, mas resolvi atuar para que mais gente tivesse condição de escolher o pequeno. Sou uma designer que tem o privilégio de trabalhar há 15 anos com produtores de objetos artesanais, Brasil adentro e mundo afora.
Recentemente, participei de uma iniciativa muito bacana da Artesol – Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro, uma organização com mais de 20 anos, fundada pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso. Ali, o Brasil que antes poucos tinham o privilégio de conhecer, está acessível para todos. Criamos um extenso catálogo de mestres, artesãos e grupos produtivos espalhados do Oiapoque ao Chuí. Me orgulho muito de fazer parte da equipe (apaixonada e caprichosa) que se empenhou em fazer do pequeno produtor uma opção mesmo para quem está longe.
E hoje, não há desculpa: já existem inúmeras iniciativas que se propõem a trazer aos nossos olhos esses pequenos grandes produtores. São feiras, eventos, institutos e plataformas que, cada um ao seu modo, fazem desses artesãos uma opção pra todos nós. Portanto, está em nossas mãos fazer valer nosso poder de escolha e oferecer nossa energia (aquela) para um produto que não acaba no objeto, mas começa nele. Um produto que traz sempre algo maior e mais complexo do que ele em si.
A beleza do fazer artesanal começa no tempo, que é outro. É o tempo da mão, do homem, e portanto não pode haver lugar mais real. Seja no campo ou num ateliê, o dia de trabalho de um artesão não é ditado pelo tic-tac de um relógio de ponto ou pelas necessidades da produção, mas por um ritmo que tem mais a ver com o corpo e com sua sensibilidade. “Enquanto trabalha, o artesão pode conversar com outras pessoas e até desatar a cantar”, escreveu Octavio Paz. E isso faz toda a diferença.
O maior presente que estas vivências me dão é o de ver de perto processos produtivos cheios de vida, emaranhados com a natureza pulsante de cada lugar. Nestes contextos existe uma beleza essencial que nasce da relação íntima do homem com a terra, do homem com suas matérias primas singulares, do homem com suas mãos e toda história e conhecimento ancestral que o levou até ali. E a beleza desse entrelaçamento não é puramente estética, é a beleza do esmero, do cuidado e claro: uma beleza capaz de salvar o mundo.
Paula Dib é designer e une em seu trabalho o tripé design, sociedade e natureza. Entre outros reconhecimentos, recebeu em Londres o prêmio International Youth Entrepreneur Design Award (2006). Desde 2007, leva as bases de seu trabalho para outros países, sempre inspirando ações de inovação social por meio do design
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