Perfume de mulher: a essência daquelas que não têm medo de envelhecer

O termo 'ageism' tomou conta das mídias sociais e páginas de revistas, denunciando o uso negativo e estereotipado do envelhecimento e mostrando que a beleza do tempo entrega mais que a decadência do corpo e a sabedoria do espírito

04.08.2021  |  Por: Letícia Gicovate

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Perfume de mulher: a essência daquelas que não têm medo de envelhecer

Dentro do shopping um telão exibe um comercial de perfume. O ator me encara com o cenho franzido, me desafiando à uma vida excitante e imprevisível com o frescor do Vetiver. 

Não estou interessada. Ele insiste, aperta os olhos e franze a testa mostrando 3 fileiras de maturidade e experiência marcando a pele, parece mais misterioso e interessante assim. 

 “Vem comigo”, ele diz, “sou um homem maduro e complexo coberto por uma densa nuvem de Cedro, te oferecendo uma vida de aventuras e sexo selvagem de frente pro mar.”

“Not today, Satan”, respondo ao convite imaginário pensando num mundo onde eu seria eu, uma mulher de 40 anos, seduzindo as câmeras exibindo meu cenho marcado, pés de galinha e bigode chines. 

Nos últimos anos o termo “Ageism” tomou conta das mídias sociais e páginas de revista. Assim como o racismo e o machismo o ageism denuncia o preconceito, o uso negativo e estereotipado do envelhecimento, mostrando que a beleza do tempo entrega mais que a decadência do corpo e a sabedoria do espírito, as únicas coisas que o avançar da idade costumava nos vender. 

Não é o meu caso, “os 40 são os novos 30” me avisam as amigas que já navegam esses mares. Então por que eu, seguidora de toda a cartilha da mulher bem resolvida, dona de uma página no Instagram que celebra a beleza dos corpos no esplendor de sua natureza, de todas elas, tenho uma dificuldade tão grande em me olhar no espelho sem vislumbrar retoques?

Obviamente não estou sozinha, posso contar em 2 dedos as amigas que chegaram aos 40 anos sem terem se rendido a uma agulhadinha redentora, e aqui não estamos falando da vacina.

A nós mulheres maduras cabe o possível e o impossível na tentativa de manter no rosto a leveza e o frescor que divórcios, filhos, noites sem dormir e dores crônicas tiraram de nós. E se o ator do comercial de perfume soma dígitos na conta bancária franzindo a testa pra oferecer uma imagem profunda e experiente, nós continuamos servindo olhares sedutores, sorrisos apáticos e rostos de cera.

Mas exatamente o que estamos vendendo, e o pior, o que estamos comprando? Antes de mais nada é preciso dizer que não estou travando aqui uma cruzada anti-botox, pelo contrário, sou mais uma na fila de espera da dermatologista, mas precisamos encarar essa realidade com pensamento crítico (e como dizem as más línguas, pensar muito dá rugas.). 

Enquanto os comerciais de perfumes femininos vendem juventude eterna e erotismo, as propagandas masculinas vendem um estilo de vida. São homens de negócios, atletas e aventureiros prontos pra viagens exóticas e experiências excitantes. E embora sejamos capazes de nos distanciar da fantasia engendrada pela indústria publicitária, dificilmente deixamos de nos influenciar pelo ideal tóxico que associa beleza, juventude e feminilidade.

Por isso é um alento, um abraço gostoso assistir Kate Winslet exibir todas as faces irretocáveis da sua beleza na série Mare of Easttown. Mais maravilhoso ainda ver a atriz Andie MacDowell aparecer como uma Hera prateada, desfilando pelo tapete vermelho de Cannes exalando orgulho e prazer ao exibir cabelos grisalhos e todas as rugas naturais à uma mulher de 63 anos.

Andie, eu quero comprar o seu perfume. 

Perfume de uma mulher que coleciona afetos e história, marcas na pele e no corpo, vivências e vestidos. Que viveu e perdeu amores, que experimentou o êxtase e a dor. Uma mulher que segue cada vez mais bela, poderosa e confortável na pele que habita, que carrega em si o frescor de uma juventude bem vivida, a força feroz da maturidade e a plenitude libertadora de envelhecer. Com um sorriso me lembro, envelhecer é sorte.

Conecto essa imagem mitológica da atriz americana com um novo movimento que retoma a alquimia dos perfumes, arte-ciência de sacerdotisas, bruxas e Deusas, como uma sabedoria feminina ancestral. Cada vez mais mulheres se empoderam aprendendo a confeccionar seus próprios perfumes, ou buscam cheiros personalizados, vidros limitados, aromas exclusivos que dialogam com a nossa essência particular. 

Estamos farejando, desejando exaltar, exalar e inspirar a nossa beleza e a nossa verdade. Vestir um perfume que revele além do que se vê.

Perfume de mulher que se reconhece.

 

Letícia Gicovate é editora de conteúdo, escritora e uma das criadoras, ao lado de Alice Galeffi, da revista Nin

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