Pirei na Copa | Hora da virada
As agruras de um casal entre o preço da camisa oficial da Seleção brasileira e o sonho de virar a sorte do país
15.06.2018 | Por: Luisa Mascarenhas
Casal numa loja de artigos esportivos
– Cinco camisas do Brasil, amor?
– É, lindona. Uma pra você, uma pro Joca, uma pra Alice e duas pra mim.
– Quanto estão essas camisetas da seleção? – Mirela pergunta ao vendedor.
– Dois quatro nove nove nove.
– Duzentos e cinquenta reais???
– Dois quatro nove nove nove.
– Nem pensar! Imagina, gastar mais de mil reais em camiseta…
– Vocês parcelam em quantas vezes? – pergunta Frederico.
– A partir de quinhentos reais parcelamos em cinco vezes.
– Pode embrulhar.
– Tá maluco, Fred? Esquece isso, amor. Eu vi umas camisas do Brasil por menos de trinta reais no centro. Vinte nove nove nove…
– Mirela, tem que ser a oficial. Sem chance de usar camisa vagabunda
dessa vez. A gente usou na Copa passada e deu no que deu.
– E você acha que o 7 x 1 foi por causa da nossa blusa?
– Nunca se sabe.
– Eu não tô acreditando que você vai rasgar nosso dinheiro com uma futilidade dessas! Aliás, pra quê duas camisas pra você? Até agora não entendi.
– Eu quero poder trocar caso a gente comece algum jogo perdendo.
– Hmm. Entendi. Isso faz o universo girar diferente, claro, já que você é o centro.
– Não começa com sarcasmo, Mirela. Acredita em mim, isso aqui é investimento. Estou investindo no nosso futuro.
– Como é que é?
– Pensa bem. Minha vida começou a desandar desde aquele 7 a 1. Desde lá foi problema atrás de problema. Tudo que eu tento dá errado, toda empresa que eu trabalho fecha as portas, e as que não fecham me demitem. Não consegui ficar mais de cinco meses em lugar nenhum. E você também não tá no seu melhor momento, vamos combinar.
– Mas isso é porque o país tá em crise.
– E por que você acha que a crise começou?
– Então a crise começou naquele 7 a 1… Entendi…
– Pensa bem. Dali em diante foi ladeira abaixo para todo mundo. Agora é a nossa chance, é a hora de virar esse jogo! Não dá pra pensar pequeno não, lindona. Temos que fazer tudo no capricho, nada de mesquinharia! Vai ter que ser camisa oficial.
– Mas até para as crianças?
– Claro! Família toda. Pensa bem nos nossos últimos quatro anos, Mirela. Lembra de todos os perrengues, faz uma retrospectiva e avalia se não vale a pena investir. A nossa sorte pode mudar!
– Ai, Fred… Nem me fala. Será?
– Na outra Copa a gente fez tudo nas coxas, no improviso, sem o menor cuidado, lembra? Teve um jogo que nem blusa do Brasil eu usei.
– É, realmente a gente não levou a sério nosso papel de torcedor. Eu até dormi num dos jogos.
– Aí, tá vendo? Não dá pra não fazer a nossa parte e depois ficar se queixando da vida e reclamando que o país não vai pra frente.
– Moço, você pode trazer mais uma M e duas infantis iguais a essas? – pede Mirela.
– Pra que isso tudo, linda?
– Amor, você sabe que não sou mulher de fazer nada pela metade. Se é pra reverter esse placar, vamos fazer direito! Tô pedindo uma blusa a mais para cada filho e uma a mais pra mim também. Assim a família toda vai poder tomar uma atitude se a partida começar ruim pro nosso lado.
– Boa! Então peraí. Moço, você pode trazer também mais duas GGs?
– Duas GGs, Frederico?
– É. Pra Dona Lurdes.
– Ela não é da família, amor.
– Você vive dizendo que é.
– Eu digo que é como se fosse…
– Vai arriscar mais quatro anos desse jeito, Mirela?
Luisa Mascarenhas é escritora e psicóloga. Criadora e autora da página de crônicas de humor Pirei Online, lançou em 2017 o livro A Vida Virtual Como Ela É.
0 Comentários