Ppk de plástico

Depois de muitas gerações de mulheres que nunca olharam pra própria vagina, agora temos uma onda de mulheres que anda olhando demais. E o pior, sem ver.

22.06.2021  |  Por: Letícia Gicovate

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Ppk de plástico

Se não bastassem os eternos B.O.s da vida contemporânea e o trabalho de Sísifo que é a vida doméstica. Se não bastassem as pressões, as expectativas irreais e a violência de ser apesar de tudo, as mulheres agora se preocupam com o padrão de beleza da ppk.

E que fique claro, não se trata da aparência quando devotada à nossa identidade de gênero, à saúde, ao que nos causa desconforto físico ou mental, ao que nos impede o prazer.

Mulheres cis andam se aventurando em cirurgias plásticas para adaptar vaginas a padrões insólitos alimentados pela indústria pornô, fruto de uma cultura que alimenta construções enviesadas sobre beleza e de alucinações misóginas.

Sucumbimos à cinturas afuniladas, seios de silicone, botox alisando os problemas, preenchimentos no tempo que passou, aplicações de colágeno na falta de saco.

Um dia ainda talvez iremos superar a harmonização facial e os lábios inchados.

E tudo bem. Mas deixem em paz a nossa perereca!

Ver ameaçada a saúde da vagina, desviar a função da nossa natureza, arriscar o nosso prazer por uma questão meramente estética acende um grande, imenso sinal de alerta.

Quando passamos a distorcer nossa essência para que se torne mais confortável ao olhar alheio, nos rendemos a transformar em produto uma parte essencial do que nos compõe.

Uma breve pesquisa nos joga termos como Design Vaginal, Rejuvenescimento Genital e, pasme, Ninfoplastia. As técnicas variam entre diminuir pequenos lábios, reduzir o monte de vênus ou injetar gordura para deixar os grandes lábios mais “carnudos”. Sem contar a infame reconstrução do hímen.

Esse novo culto à vagina não honra nossa sexualidade, a fertilidade ou a potência do que podemos nos oferecer. Trata-se de mais uma maneira de violentar nossa natureza pra que ela caiba em ideais patriarcais. E o Brasil já é o recordista mundial nesse tipo de operação.

Mas como caímos nesse abismo?

As mais antigas representações humanas já encontradas na história são de formas femininas. Nessas estátuas paleolíticas que datam de até 40 mil anos atrás a mulher exibia seios fartos, barrigas salientes e vulvas protuberante, cheias de orgulho e domínio de si.

Essas esculturas, encontradas em diversas partes do mundo exaltavam mulheres e divindades potentes, valentes, férteis e sexuais. Muito sexuais.

Entre os primeiros registros poéticos da história encontramos o mito da Deusa Suméria Inanna contemplando sua vulva molhada, elogiando sua aparência e seus aromas, praticando e cultivando livremente o prazer.

A festa acabou quando as sociedades começam a se organizar através de um sistema patriarcal evidente e essas divindades femininas foram sendo tombadas, demonizadas ou totalmente submetidas aos deuses masculinos.

De poderosas forças da natureza, guerreiras, sábias e provedoras de vida foram confinadas aos papéis de amantes, esposas, filhas e irmãs.

Na Grécia Clássica, onde moram as representações ocidentais mais memoráveis do nú, enquanto os pintos correm livres e soltos a vagina é apresentada como um botão, uma flor. Pura, branca, lisa, imaculada, recatadamente escondida do nosso olhar e imaginação.

A castração conferida às mulheres em todos os níveis da sociedade é eternizada através de uma vulva infantilizada, sem pêlos, sem realidade.

Alguém mais lembrou de “Ninfoplastia”?

A imagem da vulva, assim como o empoderamento da nossa sexualidade, aos poucos desapareceu das artes, das ciências e da vida real. Chegamos à Idade Moderna sendo contempladas e expostas sob uma ótica ocidental, colonizada e masculina.

A mulher é representada como donzela ou meretriz, se abrindo nua em camas de bordéis ou se escondendo virgem e pura entre as milhares de camadas do cristianismo.

E se hoje andamos tomando de volta nossa pele, pesos e pêlos, nosso gozo e nossa liberdade sexual, uma ferramenta que poderia representar os novos tempos começa a se apresentar como um trem bala correndo pra trás.

As plataformas digitais nos trouxeram livre acesso a uma nova experimentação da nossa auto-imagem. Parecíamos ter retomado a autonomia de nossos corpos reais e diversos. Parecíamos ter acessado uma maneira mais saudável e democrática de mostrar e ver.

Pero no mucho.

Em dois tempos as redes sociais também foram tomadas pelo pacote de conservadorismo e moralismo unilateral que tomou todo o resto do universo. A censura passou de palavra velada a ser abertamente praticada pelo IG.

Além do banimento dos nossos mamilos hoje em dia qualquer pêlo que ouse sobrar, qualquer volume que ouse existir já é razão de banimento da rede. O absurdo chegou ao ponto de contas femininas serem excluídas por imagens de mulheres cobrindo os seios ou as partes íntimas com as próprias mãos.

A solução encontrada para tapear as regras esdrúxulas (e pra lá de enviesadas) do IG é de cair o queixo. Contas que exibem o nu feminino através de uma ótica masculina estão apagando digitalmente nossos mamilos, nossos pêlos e até o volume das nossas púbis.

A censura do IG trouxe de volta a estética da Barbie. Nosso corpo é aceito quando parecemos ser feitas de plástico, desumanizadas, lisas e uniformes como estátuas.

Inibir a nossa natureza volta a ser a chave para pertencer.

A cultura da idealização sempre existiu e vai existir, não sejamos ingênuas. O que precisamos provocar é uma sociedade que olhe pro próprio corpo e pro corpo ao lado com afeto e empatia, assumindo a naturalidade como beleza e potência.

E sem nunca esquecer: o importante é ter saúde pra gozar no final!

1 Comentários

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Uma resposta para “Ppk de plástico”

  1. Lari Stella disse:

    amei esse texto!!

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