Precisamos falar sobre a depressão
Sei que ela ainda vai bater na minha porta de novo. Mas hoje a trato com respeito, como uma doença que tem uma infinidade de possíveis tratamentos. O que eu quero é ver o tema 'saúde mental' despertando tanto interesse quanto o fitness e a nutrição
09.10.2017 | Por: Blubell
Ilustração: Anália Moraes
Você se lembra de como era sua autoestima quando tinha 14 anos? Sua imagem no espelho te incomodava?
Quando eu tinha 14, espelhos eram sinônimo de decepção. A cobrança que vinha de dentro e de fora era gigantesca. Já não brincava mais de Barbie, mas a minha, carinhosamente apelidada de Sheila, ainda morava na estante do quarto. Eu já lia a revista Capricho e já me esforçava para seguir o dress-code da escola, que na época se resumia a calças semi-bag da M.Officer e tênis Nike ou Reebok. O cabelo tinha que ser comprido e jogado para o lado fazendo um leve topete.
Ter 14 anos é se sentir esquisito e deslocado. Você ainda não tá nos golden years, “curtindo a vida adoidado” como quem tem 16, 17, 18, e não vê a hora de chegar até eles. Só que até lá serão pelo menos dois anos ainda se preocupando se o absorvente está aparente na sua bunda e se o galã da classe percebeu que você está com uma espinha-vulcão na testa.
E foi numa tarde de sábado, no auge dos meus 14 anos, que meus pais chamaram a mim e meu irmão pra conversar na sala de casa e contar que eles estavam se separando.
Os anos seguintes foram infernais. A separação não foi nada amigável. Teve briga na Justiça, os amigos do casal tiveram que escolher um dos lados e eu também meio que acabei escolhendo um, afinal era esse o código que conseguia absorver de tudo aquilo. Muita coisa que não tinha nada a ver comigo respingou em mim.
Meu irmão, que já estava nos golden years, passava grande parte do tempo na casa da namorada com a família dela. Eu não. Eu tinha 14 anos, depois 15 e quando fui fazer 16, estava pesando 35kg já nos meus 1,58m de altura. Diagnóstico: depressão e anorexia.
Qual das duas veio primeiro? Não sei dizer. Acho que a anorexia é a depressão escancarada no corpo. Essa coisa de não se permitir comer é muito louca. No começo, lembro que tinha uma coisa de vaidade – eu até que estava um pouco rechonchudinha aos 14. Mas foi virando uma vaidade doente. Uma vaidade vinda de não me aceitar, de não merecer. Era um jogo comigo mesma. Se eu conseguisse ficar sem comer, me sentia forte, me sentia no controle. E depois de um tempo de instabilidade, quando consegui controlar o meu peso, aquilo virou um grande trunfo.
Gracias a la vida, tive a sorte de cair nas mão de três ótimos profissionais: uma clínica geral, um neurologista e uma terapeuta, e consegui sair dessa depois de muita vitamina, antidepressivo e terapia.
A terapia se estendeu por alguns anos e foi ela que me deu a chave para a saída dessa e de outras depressões que bateram na minha porta ao longo da vida. Qual era a chave? Exatamente aquilo que eu não tive como formar até meus 14 anos e aquilo em que a gente precisa, de tempos em tempos, dar um tapa: a tal autoestima. Na terapia entendi que eu não só merecia ser feliz, como tinha a obrigação de ser feliz. Entendi que só me realizando e ficando bem comigo mesma teria pique pra fazer alguma diferença nesse mundão maluco. Aprendi que cuidando de mim eu tô cuidando do mundo, do universo, do cosmos.
Muita gente confunde autoestima com ego inflado e egoísmo. Alto lá! São coisas completamente distintas. Autoestima é você se casar consigo mesmo. Ela oscila junto com os altos e baixos da vida (assim como os casamentos), mas ao longo da caminhada aprendemos a fazer com que ela varie cada vez menos.
Sei que ela, minha velha conhecida depressão, ainda vai bater na minha porta de novo. Já ouvi chamarem-na de “doença de artista” (risos), mas prefiro chamá-la de doença de seres humanos. E hoje já não a vejo como um bicho de sete cabeças. Tenho ferramentas pra bater um papo com ela e pedir gentilmente que vá atazanar outra freguesia. Basta tratá-la com respeito e como uma doença que tem cura e uma infinidade de possíveis tratamentos.
Espero ainda ver o tema “saúde mental” despertando tanto interesse por aí quanto o fitness e a nutrição. De uns tempos pra cá, toda vez que eu desejo feliz ano novo ou aniversário para alguém e desejo saúde, eu sempre digo “saúde física e mental!”. Então para todos nós, um brinde! E saúde!
Blubell é cantora e compositora, tem cinco discos no currículo e gosta de um bom karaokê, porque acha que se levar muito a sério não faz bem para a saúde
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