A primeira revista sobre maconha para mulheres

A Broccoli é uma estranha no ninho das publicações dedicadas à cannabis — ‘todas feitas por e para homens’, diz a editora Anja Charbonneau. Ela conta que escolheu mirar em mulheres que amam maconha e buscam, além de artigos inteligentes, um olhar sofisticado, cultural e até fashionista sobre a erva

02.02.2018  |  Por: Audrey Furlaneto

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A primeira revista sobre maconha para mulheres

Um delicado arranjo de flores dispostas entre folhas de maconha e quase nada de texto, além do título: “Uma revista para amantes da cannabis.” Minimalista e requintada, a primeira capa da Broccoli em nada se parecia com outras publicações dedicadas ao tema. Pois era esta a intenção da designer e editora Anja Charbonneau: criar uma revista sobre maconha com uma pegada artsy e, sobretudo, voltada para mulheres.   

Assim a Broccoli surgiu em novembro passado nos Estados Unidos. Por lá, é distribuída gratuitamente  — é possível encomendar do Brasil, pagando pelo frete. A periodicidade é, digamos, alongada (a segunda edição sai em abril). 

A revista mais lembra uma publicação de design e moda. Há um ensaio de fotos de ikebanas (os arranjos florais) com maconha, há também uma escultura com chocolate de maconha e perfis de mulheres que são líderes na cena da maconha. Também estão lá textos sobre a legalização da erva e uma entrevista sobre o uso medicinal da cannabis. Mas o que importa mesmo é o fato de o conteúdo ser feito por e para mulheres, com abordagem cultural, artística e sofisticada sobre a maconha — algo inédito na imprensa americana, orgulha-se a editora. 

“A maioria das revistas e mídias existentes pertencem a homens, e o conteúdo é claramente para homens ou para pessoas que estão mergulhadas na indústria da cannabis. As publicações não conversam com pessoas que têm uma relação mais casual com a maconha. Fizemos a Broccoli para que criar uma plataforma bonita, acessível e inteligente, com  discussões sobre maconha e prioridade às mulheres”, diz Anja.

A editora, que anos antes havia criado a elogiada revista indie Kinfolk, em Portland, lembra que já se sentia entediada e buscava outra empreitada, quando passou a observar a crescente indústria da maconha legalizada na Costa Oeste do país. Em entrevista a Hysteria, ela conta que decidiu se lançar de imediato na ideia de bolar, de novo, um produto sofisticado, mas desta vez para mulheres — ou, mais precisamente, para mulheres que amam maconha.

Hysteria: Como te ocorreu a ideia de criar uma revista feminina só sobre cannabis? Você percebeu um nicho de mercado a ser explorado e se jogou?  

Anja Charbonneau: Depois de trabalhar por três anos e meio na Kinfolk, eu sentia que estava pronta para algo novo. Ao mesmo tempo, eu via de longe o crescimento crescimento da indústria da maconha na costa oeste e notei que não existiam revistas divertidas, criativas e bonitas sobre cannabis. Esstava sozinha quando tive a epifania, mas, no minuto seguinte, já sabia com quem gostaria de trabalhar — duas amigas que trabalharam comigo na Kinfolk. Elas amaram a ideia e depois buscamos mais duas editoras. Todas vivemos em cidades diferentes, mas são ótimas profissionais. Adoro trabalhar com um time de mulheres.

 Hysteria: Podemos dizer que as revistas especializadas simplesmente ignoram a existência das mulheres e do mercado consumidor feminino?

Anja: Sim, e foi justamente por isso que sabíamos que havia espaço para uma revista como a Broccoli. As publicações sobre maconha são claramente focadas em homens, como a High Times, a mais famosa e antiga revista sobre cannabis. E há ainda muitas outras assim, mesmo as menores, regionais ou locais. Normalmente quando essas revistas querem contemplar as mulheres, fazem uma “edição especial para mulheres”, mas eu gostaria de ver as mulheres incorporadas ao conteúdo normalmente, o tempo todo. Mulheres não deveriam ser tratadas como um tema especial que ganha destaque uma vez por ano. 

Hysteria: Você vem de uma experiência bem-sucedida, com a revista indie Kinfolk. Mas criar uma publicação com o tema da maconha, sem cair nos clichês existentes, é difícil, não? Você sente que a cannabis ainda é um assunto, diga-se, peculiar na imprensa?

Anja: Com certeza. Trago a experiência da Kinfolk, e lá aprendi muito sobre distribuição, marketing, publicidade, impressão, enfim, o processo todo de publicação de uma revista. E maconha é um assunto tão fascinante, além de sensorial e político ao mesmo tempo. É um tema que toca muitos campos da vida e que, por isso, nos oferece uma imensa “paisagem” editorial a ser explorada. Podemos escrever sobre como a maconha faz a gente se sentir, mas também podemos tratar de como ela afeta a sociedade de forma mais ampla. 

Hysteria: A primeira edição deixa o leitor com uma sensação de que a revista quer dar ênfase a assuntos como a arte e o design, por exemplo, em torno da cannabis. É esta sua proposta?

Anja: Sim, nossa pegada é de observar e discutir sobre a cannabis a partir de perspectivas de arte, cultura e moda. Na primeira edição, fizemos um mix disso, com ensaios conceituais de fotografia e, ao mesmo tempo, entrevistas com pessoas que trabalham com maconha de alguma forma. No segundo número, vamos manter o mix. Teremos uma reportagem sobre uma mulher que luta judicialmente com o governo para mudar as leis da cannabis, outra sobre um artista do Havaí dos anos 1980 e até um pouco de arte cujo mote são… gatos! 

Hysteria:  A revista vai contemplar também os debates políticos e científicos sobre maconha?

Anja: Sim, sem dúvidas. Maconha é realmente um tópico da política e da ciência. No segundo número, por exemplo, vamos ter um artigo sobre como é difícil, muitas vezes, ter respostas diretas e definitivas sobre cannabis e saúde. Isso porque os médicos e cientistas não podem fazer muitas pesquisas de campo porque a cannabis ainda é considerada uma droga perigosa pelo governo federal americano. Então, mesmo que a gente veja evidências de que a maconha ajuda as pessoas, os médicos não podem prescrevê-la em todo o país. Nós exploramos esse potencial curativo também. Em suma, vemos a maconha como uma erva de infinitos potenciais.

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