Quando a idade importa: testamos o primeiro autoexame que monitora nossa reserva ovariana
Saber a quantas anda nosso potencial para engravidar é empoderador
24.09.2021 | Por: Natália Albertoni
Eu decidi que não teria filhos aos 14 anos, no meio de um cruzamento, ao receber um flyer contendo informações sobre a prevenção da gravidez na adolescência, quando, obviamente, somos muito jovens para ser mães. No papel, uma ilustração em preto e branco mostrava o que poderia acontecer com o meu corpo: manchas enormes e pêlos por todo o lugar, fora o alargamento do quadril. Fiquei horrorizada!
Como se fosse “pegar os sintomas” por contágio, amassei o folheto, joguei fora e segui pra escola. Aos 16, quando minhas amigas começaram a transar e eu ainda sentia falta das minhas Barbies, lembrei disso e encontrei um álibi mais aceitável do que minha falta de interesse: morria de medo de engravidar. Comprei a ideia ainda mais aos 25, pois queriam saber: “Afinal, não vai casar e ter filhos? Se não, você sabe, vai ficar tarde.” Ao que passei a responder: “Tudo bem, eu não quero.” A ideia foi sendo sedimentada e eu fiquei em paz com essa decisão.
Este ano, em meio a algumas mudanças da vida, recebi o inusitado convite, via Hysteria, para fazer o primeiro autoexame do Brasil que poderia me dizer a quantas anda minha reserva ovariana, o que (bem) em resumo indica meu potencial para engravidar. Eu era a melhor candidata da equipe porque a idade, afinal, é importante sim quando pensamos na nossa saúde reprodutiva. Normalmente, nossa contagem de óvulos começa a diminuir com 30 anos e mais ainda depois dos 35 anos, minha idade hoje. Topei sem pensar muito, com uma curiosidade quase infantil. Se eu nada queria, nada tinha a perder.
O exame criado pela Fertilid, que tem como missão democratizar a informação sobre o tema e, assim, dar mais poder de decisão às mulheres, custa R$ 359 — ou R$ 439 se vier acompanhado de uma tele-consulta. Ele chega à sua casa dentro de uma caixinha bem linda do tamanho de um livro contendo todo o material de que você precisa para realizar o procedimento sozinha, além de um passo a passo.
Ao receber o meu kit, fui investigando item por item enquanto pensava em como registrar o meu processo. Pesquisei referências de imagem, todas belas e felizes, e, de repente, me dei conta que se o resultado viesse negativo a ponto de eu realmente não ter nenhuma possibilidade, talvez essa não fosse uma história assim tão feliz de contar. E comecei a me perguntar: por que me expor assim? E se eu acabar triste? Até finalmente: será que é melhor não saber? Se eu tinha tantas certezas a tanto tempo, por que aquilo me incomodava?
Quando contei a empreitada ao meu parceiro ele concordou comigo e disse que não estava pronto para ser pai caso eu mudasse de ideia e tivesse de agir imediatamente. Ao que respondi: “Eu também não! Mas isso não é sobre você.” Foi quando eu realmente absorvi que essa jornada só se pode fazer sozinha. Não por falta de apoio, porque o meu parceiro, no caso, é maravilhoso e até me acompanhou durante todas as etapas. Mas porque essa é uma decisão absolutamente íntima e sem volta.
Lembrei que quando conversei com a Sheila Heti, autora do incensado Maternidade, ela me contou que o livro surgiu de um desejo de ela descobrir se queria ou não ser mãe. Para isso, decidiu fazer um projeto de não-ficção que envolvia entrevistar mulheres de todo o mundo sobre o assunto. E foi só no meio do caminho que ela entendeu ser impraticável encontrar a resposta em qualquer outro lugar que não dentro dela mesma. Agora, eu também tinha de parar, olhar pra dentro e ouvir a única fonte confiável pra essa resposta: eu.
Ao longo da semana, a caixinha de pandora, tão bonita a princípio, começou a parecer intimidadora. Também surgiram pensamentos aleatórios. Além do flyer da minha adolescência, entendi que o fato de ter sido criada por uma mãe feminista — e solteira, como muitas desse nosso Brasilzão — contribuiu muito para a minha decisão prematura. Ao contrário da maioria das mães que eu conheço, e que perguntavam “mas quem vai” para todo e qualquer passeio, a minha sempre incentivou que eu fosse. Ela não questionava muito sobre meus namorados e acho que nunca me perguntou se eu pensava em casar. Mas batia na tecla de que eu deveria ter o meu próprio dinheiro e deixá-lo bem guardado.
Demorei a aprender as tarefas de casa e não sei passar uma camiseta até hoje, mas entendi rápido que deveria ser independente e livre pra fazer o que eu bem entendesse. Neste meu cenário, nunca coube uma criança. Ainda mais se eu tivesse que criá-la sozinha, o que acaba acontecendo muitas vezes. Era uma referência que eu não tinha apenas dentro de casa, mas ao meu redor. E por mais que eu ache minha mãe foda demais, eu não queria viver como ela, fazendo tantas concessões. Caiu finalmente essa ficha, bem triste, de que outro dos fatores pra minha decisão foi crer que a única possibilidade de ser mãe seria fazer isso sozinha. Olha que louco?
Enfrentei o teste num domingo de manhã de sol gostoso. Fiz o unpacking, ativei o meu número de identificação no site e organizei todos os itens numa bancada. Seguindo o passo a passo, relembrado num vídeo super fofo, tomei bastante água, lavei as mãos e esfreguei uma na outra pra ativar a circulação. Depois de desinfetar o dedo anelar, abri a lanceta, que guarda uma agulhinha, pra furar o dedo e, enfim, tirar a amostra de sangue. Aqui, confesso que não foi tão simples e elegante como no vídeo (rindo de nervoso). Quebrei a lanceta (sorte que no kit vêm três) e tive que pegar outra. Furar o dedo não foi tão gostoso assim, não. Levei um susto com a pressão e doeu um pouco. O boy ajudou bastante nessa parte.
Depois, foi mais tranquilo. É necessário pressionar o dedo picadinho de leve num pape-filtro que vem com meu número de identificação e preencher três círculos de vermelho — sem esfregar o dedo ou aplicar muitas camadas. Gabaritei. Deixei secar na própria caixinha, que prevê um espacinho só pra isso, e fui almoçar com um amigo. Na volta coloquei o papelzinho seco nas (três!) embalagens enviadas e deixei o material na portaria para retirada. No processo convencional, você mandaria tudo pelo correio em até 48 horas e com o código de postagem enviado pela empresa.
Saber mais sobre nossa reserva ovariana deveria ser equivalente a saber nosso tipo sanguíneo, o grau de miopia ou a existência de alguma alergia
Em cerca de dois dias recebi o resultado por e-mail. Ele chegou no formato de um relatório super bonitinho, sugerindo algumas recomendações focadas no meu perfil. Continha também informações sobre o famigerado hormônio antimulleriano, principal foco do exame (não coberto por planos de saúde), e por que ele é importante. Considerado o melhor marcador para determinar a nossa reserva ovariana, ele é produzido pelas células ovarianas que regulam o crescimento e desenvolvimento dos folículos durante nossa vida reprodutiva, que são como bolsinhas que guardam nossos óvulos.
Os meus números estavam bastante acima do esperado para uma pessoa da minha idade. E surpreendentemente isso me deixou feliz. Isso não garante uma possível gravidez, até porque descobri que aqui também mais importa a qualidade do que a quantidade do produto. Em média, pessoas com ovários nascem com 1 a 2 milhões de óvulos. Parece muito, né? Mas perdemos óvulos a cada menstruação e, além disso, como eles não são uma fonte renovável, vamos dizer assim, eles envelhecem com a gente. A entrada na menopausa, por exemplo, significa que a nossa quantidade de óvulos, ou seja, nossa reserva ovariana, está quase nula. Por isso, se você tem desejo de gerar um filho, é importante monitorar.
Os resultados, ao contrário do que me preocupava no início, também não impõem uma reação imediata. Mas abriram uma porta que estava bem fechadinha. Agora, eu sei que tenho algumas opções e pra uma libriana isso é confuso, mas também muito bom. Pode ser um bom momento para fazer uma poupancinha, por exemplo, como sugeriu a médica da Fertilid que me atendeu via Zoom. O que significa congelar os óvulos, pra deixar bem claro. Como este não é um procedimento barato, e nem muito simples, consigo incluir no meu planejamento financeiro pra fazer com calma e não no susto. Que alívio!
A pessoa por trás dessa iniciativa genial e tão empoderadora para nós mulheres só poderia ser outra mulher — e com conhecimento de causa. Amanda Sadi, fundadora da femtech, foi diagnosticada há dois anos com um teratoma no ovário, endometriose e uma reserva muito baixa. Pega de surpresa e sem repertório pra entender o que estava acontecendo com o seu próprio corpo, ela mergulhou no universo da fertilidade, descobriu o hormônio antimulleriano (de que eu também nunca tinha ouvido falar antes dessa experiência).
Ela entendeu, então, que todas tínhamos o direito de saber que ele existe para sermos mais donas do nosso destino. Ao ajudar outras mulheres a apreender proativa e preventivamente sobre suas saúdes reprodutivas, Amanda também encontrou uma ótima oportunidade de negócio. Segundo a The Brief, a Fertilid captou R$ 1 milhão de investimento em apenas dois meses de existência.
Eu não sei se mudei de ideia, nem sei o que vou fazer exatamente. Mas assino embaixo que saber mais sobre nossa reserva ovariana deveria ser equivalente a saber nosso tipo sanguíneo, o grau de miopia ou a existência de alguma alergia. Faz parte da formação básica de ser a mulher que você quiser ser. Quanto mais conhecimento temos sobre nosso próprio corpo, mais seguras nos sentimos para tomar decisões conscientes. Hoje ou mais tarde. Sozinha ou não.
Natalia Albertoni conta histórias em múltiplos formatos. Jornalista, meio camaleão, é coordenadora de Comunicação e Marketing da Conspiração e criadora de conteúdo e broadcast na Hysteria. Também planeja e executa estratégias de relacionamento com a imprensa e de PR pra marcas, produtos e serviços
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