Resumão: carnaval 2018

Looks 'baphônicos', glitter vegano, apropriação cutural, ética na Sapucaí: como foi a folia segundo uma 'carioca outsider'

16.02.2018  |  Por: Maria Clara Drummond

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Resumão: carnaval 2018

Tenho alguma resistência com lugares e situações que impedem meu direito de ir e vir, como Paquetá, Santa Teresa, réveillon e carnaval. Mas, recentemente, tenho desbravado este último, seja frequentando os blocos ou lendo as discussões políticas intrínsecas à festividade, e que sempre me interessam. Eis então meu olhar de carioca outsider.

Sobe

  • Concurso de styling: não é preciso estar fantasiado de algo específico, mas o look precisa ser bapho. Normalmente consiste em óculos escuros, pochete, maiô e “cabeça” – a versão carnavalesca para os fascinators que não ficam nada a dever para Philip Treacy. Tudo isso com muito brilho, é lógico.

  • Com a ditadura do look, cada vez mais marcas fazem coleção específica para a data. Dói no bolso a alternativa chique à Saara: uma pochete bonitona pode custar mais de R$ 100, um maiô de tule e paetê entre R$ 400 e R$ 1.000, uma “cabeça” idem.

  • Esqueça os bailes de Vogue, Copacabana Palace, ou até mesmo o Sarongue. A elite redescobriu o carnaval de rua. Essa produção toda é para ser usada nos blocos do Centro, porque carnaval é ocupar a cidade, uma festa democrática, ato político, sabe? Então não se espante se a fantasia milionária se desfizer no meio das 15 horas do Boi Tolo.

  • Embora o topless continue em alta, este ano reinou uma espécie de adereço que cobre a auréola dos mamilos, com pompom e cordinhas que balançam conforme a dança. É bom porque dribla a censura do Instagram. #freeniples100pre

Desce

  • A indústria do glitter parece ser imune a qualquer crise econômica. Mas este ano, com a conscientização cada vez maior sobre seus danos ecológicos, sofreu um pequeno revés. Com isso, vieram os glitters biodegradáveis, e, pasme!, glitter vegano.

  • São Paulo tem tido um carnaval de rua cada vez melhor, eu sei. Mas às vezes nos lembramos de onde vem o título de túmulo do samba: bloco que tem cercadinho VIP para famosos enquanto grita “A cidade é nossa!” e demais slogans políticos. A cereja do bolo foi Maria Rita cantando Como Nossos Pais – ninguém prestou atenção na letra?? Superorgástico SQN.

  • Fantasias possivelmente ofensivas a culturas e etnias não hegemônicas – a chamada apropriação cultural. A polêmica já vinha de alguns carnavais, mas este ano se consolidou como assunto na web, principalmente no que diz respeito aos índios.

Rapidinha

  • A crítica política que já era vista nos blocos invadiu a Sapucaí – foi tema de Beija-Flor e Paraíso do Tuiuti, campeã e vice-campeã este ano, respectivamente. A última, em especial, foi comentadíssima, com críticas explícitas ao presidente Michel Temer, a recente reforma trabalhista, e as manifestações patrocinadas pela Fiesp. No entanto, nenhuma das duas sobreviveu a uma apuração mais demorada sobre suas próprias limitações éticas e trabalhistas. Mas o importante é lacrar nas redes sociais.

Melhor meme

  • “É proibido se fantasiar de Jedi se você não é um Jedi, pois se fantasiar no carnaval de Jedi é ignorar o sofrimento de um grupo que foi dizimado pelo Império.”

Menção honrosa

  • “Já pensou se você está alertando os amigos para não se fantasiar de índio e eles descobrem que você usava sobrenome Guarani Kaiowá no Facebook?”

Meus pitacos

Muita gente tem dito que se fantasiar de índio seria análogo ao “blackface”. Mas os contextos são muito diferentes. “Blackface” foi um artifício usado nas artes cênicas para ridicularizar pessoas negras e impedir que estes atuassem no palco. Já a tradicional fantasia de índio era uma forma de nacionalizar nosso carnaval que a princípio era uma festa elitizada e europeia – Cacique de Ramos é um bom exemplo disso.

Carnaval é a festa da inversão, em que a graça está no choque entre pessoa e fantasia – quem é ridículo não é o índio, e sim o branquelo de cocar ou o barbudo de saia. A fantasia é uma forma de ficção, e a ficção é sempre uma forma entretida de se colocar no lugar do outro – e não seria essa a definição de empatia? É lógico que sempre existirão fantasias de mau gosto mas essas coisas são melhores analisadas caso a caso.

A censura quase sempre vem carregada de um discurso de boas intenções, à esquerda e à direita. Esse moralismo simplório transfigurado de lugar de fala generaliza uma cultura muito mais que o cocar do bloquinho. Se um índio diz que fica ofendido, ele representa todos os índios, de todas as tribos ao redor do país, com todas as diferenças culturais entre elas? Ysani Kalapalo é uma líder indígena que fez um vídeo dizendo que a fantasia é uma bonita homenagem. E agora? Quem vale mais na batalha do lugar de fala?

Momento sério

A maneira mais fácil e cômoda de colocar em prática a preocupação com a causa indígena é verificar a postura dos seus candidatos em relação ao agronegócio e à demarcação de terras indígenas. Você sabia que o assassinato de índios no Brasil aumentou 269% no século XXI? Por que não prestar atenção às reivindicações dos índios do Xingu, que há anos protestam contra a construção de Belo Monte, sendo ignorados por maior parte dos eleitores? Quem se preocupa com índio de verdade coloca isso no número um da lista de prioridades na hora do voto. E jamais faz campanha pra quem perpetua esse tipo de genocídio. Fica a dica.

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