Revolucionária | Sônia Guajajara, a ativista

Primeira mulher a ocupar um posto executivo nas duas principais organizações de defesa dos índios, ela se tornou uma guerrilheira digital, com 20 mil seguidores nas redes sociais

13.11.2017  |  Por: Karla Monteiro

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Revolucionária | Sônia Guajajara, a ativista

“O Brasil é originalmente indígena. Queria que a sociedade reconhecesse isso. Somos tratados como invasores, que querem usurpar terras. Tem que acabar com a ignorância. Não queremos privilégios, queremos ser reconhecidos como povos com especificidades diferentes. Se eu pudesse sonhar com algo, seria um Brasil livre de racismo”

Pela primeira vez na história, uma mulher indígena assumiu o protagonismo de uma luta que remonta à descoberta do Brasil. Vinda do território Araribóia, no Maranhão, Sônia Guajajara, de 43 anos, é a “cacique” das duas principais organizações de defesa dos índios: a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

E vem colecionando vitórias. A primeira aconteceu em agosto. Coordenando o ativismo nas ruas e nas redes – ela se tornou uma guerrilheira digital, com 20 mil seguidores nas redes sociais –, conseguiu, com a pressão dos movimentos indígenas articulados, ajudar a derrubar o Decreto 1.942, que pretendia extinguir Reserva Nacional do Cobre e seus Associados (Renca).

Formada em Letras e Enfermaria, Sônia ganhou o mundo no palco do Rock in Rio deste ano: convidada pela diva do soul Alicia Keys para um discurso em defesa da demarcação de terras na Amazônia, falou para uma plateia de 100 mil pessoas, reverberando a sua luta internacionalmente.

 

Ela por ela 

“Acho que estou precisando revolucionar as minhas respostas, estou sempre falando as mesmas coisas, batendo nas mesmas teclas. Estou neste momento na Alemanha, para a Conferência do Clima. Passamos, um grupo de indígenas de cinco países da América Latina, por diversos lugares aqui na Europa. As pessoas me perguntam como me descobri ativista. Eu não me descobri. Eu nasci. Sempre fui de luta. Em 2001, participei da Conferência Nacional dos Povos Indígenas e aí comecei a me envolver diretamente. Fui indo devagar, fazendo o meu papel na causa. Quando surgiram as redes sociais, eu naturalmente comecei a usar as ferramentas para divulgar a nossa luta. E aí o meu trabalho ganhou uma repercussão muito grande.

O movimento indígena está vivendo um momento muito difícil, o mais difícil da nossa história recente. O ataque aos direitos é constante, ininterrupto. Mas graças a Deus conseguimos organizar uma resistência que atua em três campos: jurídico, político e também artístico, com a parceria com o 342 Amazônia. Acredito que a nossa revolução é essa: levar e elevar a voz. Isso nos fortalece. Mas acho que ainda uso pouco as redes sociais, porque é fantástica. Você não fica dependendo da mídia tradicional para falar as coisas, até porque não nos dão nenhum espaço. Posso te dizer que os índios aderiram ao Facebook em massa. Você encontra articuladores no país inteiro. Facilitou a nossa organização.

Somos 305 povos espalhados pelo Brasil que falam mais de 200 línguas. Com o alcance da internet, as denúncias chegam muito longe e ganham apoio internacional. Me incomoda dizerem que sou protagonista de uma luta. Não sou mais importante do que tantas indígenas que estão de frente nos seus estados, nas suas comunidades. Somos muitas. Claro, a cultura indígena ainda é machista. Aliás, não sei se é originariamente machista ou herdou do branco europeu. Muitos povos ainda não aceitam mulheres nas lideranças. Uma mulher não pode ser cacique, por exemplo. Mas vejo uma evolução, muitas de nós rompendo. Cada momento dessa minha luta é único.

Mergulho em cada oportunidade. Todos os dias acordo e tenho na frente um desafio. Sofro ameaças de morte, pressões de todos os tipos. Quando me perguntam se vou me candidatar a deputada em 2018, eu sinceramente digo que não sei. Estou vivendo um momento muito bom na minha vida, vejo meu trabalho tendo resultados. Me candidatar é abdicar do que estou vivendo e passar para outro mundo, um mundo que não sei se quero. Não sei se posso contribuir com esse sistema político, do jeito que ele é. O Brasil é originalmente indígena. Queria que a sociedade reconhecesse isso. Somos tratados como invasores, que querem usurpar a terra. Tem que acabar com a ignorância. Não queremos privilégios. Queremos ser reconhecidos como povos com especificidades diferentes. Se eu pudesse sonhar com algo, seria um Brasil livre de racismo.”

 

– Veja a lista com todas as revolucionárias –

 

 

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