Revolucionárias | Jules de Faria, a feminista

Criadora do Think Olga, ela lançou as impactantes campanhas online #ChegadeFiuFiu e #PrimeiroAssédio, que impulsionaram o novo feminismo no país

13.11.2017  |  Por: Karla Monteiro

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Revolucionárias | Jules de Faria, a feminista

“Foi catártico. Até então nós, as mulheres, tínhamos vergonha de falar das violências que sofremos. E descobri que coragem é viral. Bastou que algumas se movimentassem para que outras milhares fizessem o mesmo”

Ela foi primeira a furar a bolha – ou bolhas –, convocando as mulheres para falar de assédio. Em 2013, Jules de Faria criou a Think Olga, a ONG feminista que lançou duas campanhas tão virais quanto impactantes: #ChegadeFiuFiu e #PrimeiroAssédio. A partir daí, eclodiu o que se pode chamar de feminismo pop, ou novo feminismo, que trata a questão sem tintas acadêmicas, usando a linguagem da internet para falar com cada vez com mais mulheres.

Essa história começa na infância de Jules. Aos 11 anos ela menstruou – e, com a transformação do corpo, vieram os assédios. No caminho a pé para a escola, homens lhe paravam na rua para falar de sexo. No ônibus, encostavam em seu corpo. Como a grande maioria, ela calou-se. Até, os 28 anos, quando leu na sua página no Facebook os comentários machistas dos amigos sobre o caso do diretor Gerald Thomas enfiando a mão sob o vestido da repórter do Pânico Nicole Bahls. A partir dali, resolveu: iria à luta contra a legitimação do assédio.

A hashtag #PrimeiroAssédio foi replicada 82 mil vezes, entre tweets e retweets. A Think Olga organizou e analisou 3.111 histórias, gerando a primeira pesquisa de comportamento sobre o tema. Segundo os dados, as mulheres começam a ser assediadas aos 9,7 anos.

Jules com Maria da Penha, inspiradora da lei de mesmo nome | Arquivo Pessoal

 

A campanha #ChegadeFiuFiu também rendeu. Ao todo, oito mil mulheres responderam um questionário, com conclusões curiosas: 90% das mulheres já trocaram de roupa antes de sair de casa com medo de abordagens machistas e 85% já foram vítimas de mão boba. A #ChegadeFiuFiu produziu o Mapa do Assédio, uma espécie de Waze da violência sexual. E vai virar filme, produzido pela Think Olga com financiamento coletivo e que está em fase de finalização.

 

Ela por ela

“Nasci e fui criada em São Paulo, numa família de mulheres muito fortes. Minhas avós, minhas tias, todas enfrentaram coisas difíceis, violentas. Minha mãe foi a primeira da família a fazer universidade. Nunca falamos a palavra feminismo em casa, mas o sentimento de luta estava lá. Quando tive que escolher uma carreira, fui fazer jornalismo na PUC-SP. Sempre tive dentro de mim uma vontade de trabalhar com direitos humanos. Com jornalismo achei que conseguiria trabalhar nesta área.

Descobrir-me feminista foi um processo. E ainda é um processo de aprendizado. Toda mulher, mesmo as que não enxergam todas as opressões, certamente enxerga alguma coisa. No meu caso, sofri muito com violência e assédio sexual desde pequena. O tempo foi passando e eu nunca falei sobre isso. Ficou esquecido, por vergonha. É difícil até entender que o problema não é você, mas o opressor.

Com 28 anos, estourou a minha bolha. Tinha rolado aquele caso horrível com o Gerald Thomas. Ele enfiou a mão debaixo do vestido da Nicole Bahls durante uma entrevista. Os comentários dos meus amigos no Facebook me mostraram como o assédio era legitimado, entendido como algo que faz parte do homem. Ficou claro que eu tinha que fazer alguma coisa. Mas o quê?

Escrevi para uma das revistas femininas para qual eu frilava propondo falar do assunto. A editora me respondeu com uma frase assim: “Ah, não sei, Ju, é patrulhamento politicamente correto.” Chorei ao receber a resposta. Falar sobre violência contra a mulher é patrulhamento? Resolvi, então, lançar a #ChegadeFiuFiu. Comecei publicando ilustrações bem-humoradas na rede para passar a mensagem de que assédio é violência. Essas ilustrações viralizaram.

Com os milhares de depoimentos que chegaram, entendi que a mulher é vista como um ser doméstico. Ela não é um ser público. Quando vai para a rua, esse assédio vem como uma forma de controle. Não tem nada a ver com desejo. É uma forma de colocá-la “no lugar dela”.

Já a #PrimeiroAssédio surgiu quando uma menina de 12 anos que participou do Master Chef recebeu de homens, no Twitter, várias mensagens com teor sexual. Pedofilia, abertamente. Nós perguntamos então para as nossas leitoras quando elas começaram a ser assediadas. E, mais uma vez, recebemos milhares de retornos.

Foi catártico. Até então nós, mulheres, tínhamos vergonha de falar das violências que sofremos. E descobri que coragem é viral. Bastou que algumas se movimentassem para que outras milhares fizessem o mesmo. Para mim, foi dolorido estar tão perto daquelas histórias, e ao mesmo tempo foi muito poderoso. Se a gente não fala, é como se não tivesse acontecido.

A missão da Think Olga é o empoderamento feminino por meio da informação. Esta informação precisa ser entendida por meninas de 12 anos e por mulheres de 89. Este é nosso desafio. E também encontrar cada vez mais novos formatos para falar sobre feminismo. Enquanto a academia trabalha com a pesquisa, a gente se propõe a falar sobre estes temas de uma maneira mais leve, buscando outras ferramentas. Trazendo essa forma diferente de abordar esses temas, a Think Olga conseguiu atingir muita gente.

Não gosto de falar em novo feminismo. Feminismo é uma constância. E que o que vivemos hoje não existiria sem tudo que já foi feito. Tem uma expressão em inglês que eu gosto: “We stand on the shoulders of the women who fought for us.” E é isso. Estamos nos ombros de mulheres que abriram caminho, é a mesma luta. E não estamos lutando apenas para ter mais direitos, estamos lutando para manter os direitos. Querem nos tirar o direito até de abortar em caso de estupro.”

 

– Veja a lista com todas as revolucionárias –

 

 

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