Revolucionárias | Lourdes Barreto, a puta
Criadora da Rede Brasileira de Prostituição, ela rechaçou a objetificação da mulher e reuniu a categoria em torno das questões feministas pela primeira vez
30.10.2017 | Por: Karla Monteiro
“Sonhava em ver as putas falando da sua história para essa sociedade hipócrita. Sou uma puta feminista, coisa que as pessoas pensam ser um contrassenso. A questão do prazer está à frente na minha escolha. Se nós damos prazer para eles, eles também nos dão prazer. Sem essa de objeto. Você tem que ver a puta como uma mulher inteira, não só como uma vagina”
Quando nenhuma prostituta ousava colocar a cabeça para fora da zona, a paraibana Lourdes Barreto, ao lado da paulista Gabriela Leite (1951-2013), criou a Rede Brasileira de Prostituição. A ideia era catapultar o debate, inserindo a noção de direitos num meio tradicionalmente marginalizado. Pela primeira vez, putas se reuniram em torno das questões feministas, rechaçando a objetificação e requerendo o direito ao gozo. Muito antes de virar moda, Lourdes já lutava pelo empoderamento feminino.
A militância começou em 1979, quando conheceu Gabriela em um evento da Pastoral da Mulher Marginalizada, em Salvador, na Bahia. Juntas, as duas idealizaram o movimento que hoje conta com cerca de 30 organizações de classe em vários estados do país.
Lourdes começou a trabalhar na zona aos 15, foi puta em Serra Pelada nos áureos tempos, ganhou muito dinheiro, teve quatro filhos e hoje vive em Belém do Pará, cercada de netos e bisnetos. Aposentada, com clientes esporádicos, tem tatuada no braço uma frase: “Eu sou puta.”

Ela por ela
“Fui para a zona com 15 anos, muito nova. Nasci na Paraíba, andei por muitos estados do nordeste. Em 1957, cheguei ao Pará. Fui trabalhando e construindo uma militância na zona. Em 1979, a Pastoral da Mulher Marginalizada me convidou para um encontro em Salvador. Digo que a pastoral católica deu uma grande contribuição na questão do empoderamento da mulher. Foi frequentando os encontros da pastoral que percebi que a gente precisava de um movimento autônomo, em que pudéssemos trocar nossas experiências, dentro de um contexto de discussão política e cultural. Também era preciso discutir a violência policial, a violência da sociedade, os estigmas, os preconceitos…
Foi nesse primeiro encontro, em 79, que conheci a Gabriela Leite. Ela era uma meninazinha mais tímida. Eu, muito falante. Ficamos amigas e passamos a nos corresponder. Tivemos aquele sonho juntas, de nos organizar. Um dia ela chegou para mim e disse: ‘Bora criar um movimento?’ Eu disse: ‘Bora.’ E, no meio disso, veio a luta contra a aids. Já que nós estávamos sendo chamadas de grupo de risco, tínhamos que mostrar que éramos seres humanos em situação vulnerável.
Em 87, conseguimos criar a Rede Brasileira de Prostitutas. Em 90, fundei aqui Pará o Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará. A puta tem função social, somos psicólogas de uma sociedade doente. Muitos clientes vêm até nós só para conversar. Sou aquariana, sou muito sonhadora. Sonhava em ver as putas falando da sua história para essa sociedade hipócrita.
Sou uma puta feminista, a questão do prazer está à frente na minha escolha. Se nós damos prazer para eles, eles também nos dão prazer. Sem essa de objeto. Você tem que ver a puta como uma mulher inteira, não só como uma vagina. Trabalhei deitada muitos anos. Quer coisa melhor? Já pensou em trabalhar deitada? Enquanto tem um orgasmo, ganha dinheiro. As pessoas dizem que eu era viciada na zona. Não é vício, é prazer. Sinto falta. Com 15 anos, eu fui para a zona porque eu queria ser puta, queria lidar com a sexualidade humana, já sabia disso. Por que tanto estigma contra mulheres que só querem proporcionar prazer? Nós vendemos fantasia.”
– Veja a lista com todas as revolucionárias –
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