Sabe aquela dieta incrível?
Ela é a culpada pela péssima relação com a comida que estamos criando. E se você voltar a engordar, a culpa é dela também
22.04.2019 | Por: Manoela Figueiredo
Foto: Lydianne Carney | Piscina
A onda de aceitação de corpos em diferentes tamanhos e formatos é maravilhosa. Mas isso não significa que as pessoas que querem perder um pouco de peso estão erradas. O desejo de mudar o corpo é individual. O que precisa ser questionado é como isso deve ser feito. Por que você quer mudar? Para que e pra quem? Em quanto tempo? O que espera que vá acontecer na sua vida?
Muitas pessoas já viveram a experiência de fazer inúmeras dietas e se sentirem fracassadas no final. “Deu certo enquanto durou e depois engordei tudo de novo” é uma frase recorrente. Seria isso dar certo? Se você viver na restrição, no controle e na culpa você vai ser magro; se cometer um deslize, comer uma fatia de pizza ou tomar uma cerveja, já era. Cada vez mais somos levados a pensar assim influenciados pelas mais esdrúxulas soluções que pulam nas nossas redes sociais validadas por musas e blogueiras fitness, além de muitos médicos e nutricionistas que também embarcaram nessa onda de divulgar fórmulas mágicas para atingir um corpo ideal e perfeito. Como se isso fosse possível.
Muitos até querem buscar algo diferente abrindo mão das dietas, mas a vontade de emagrecer e a insegurança de comer “normal” e não conseguir perder peso acaba ganhando e, quando a pessoa vê, está marcando consulta com a nutri da amiga que emagreceu oito quilos ou, então, comprando o chá mega-diurético que viu no Instagram.
Para começar, é importante pensar que se dieta funcionasse mesmo, não teríamos nunca que recorrer a ela novamente. O que acontece na maioria das vezes é que a pessoa segue uma receita, se priva de vários alimentos e até mesmo de situações sociais. Passa vontades, sofre, mas também, em um primeiro momento, percebe mudanças no seu corpo. Sobe na balança, gosta de ver o número diminuindo e acha que aquela limitação toda vale a pena.
Porém, o que acontece é que depois de emagrecer a pessoa vai pouco a pouco se permitindo comer mais. Porque as pessoas sofrem tanto para emagrecer que merecem uma recompensa, não é mesmo? Pois é aí que aparece uma das piores consequências negativas das dietas restritivas: o prazo de validade.
A grande questão é que muita gente usa a alimentação para lidar com outras questões da vida que vão além de suprir a fome e as necessidades fisiológicas. Portanto, só fazer uma dieta nunca vai resolver o problema. É por isso que precisamos pensar na maneira de se relacionar com a comida e em comportamentos alimentares inadequados. E isso não tem a ver apenas com a perda de peso, mas sim com um novo hábito a ser incorporado, sem data para terminar. Um processo que vai permanecer.
As dietas ligam a possibilidade de ser felizes consigo mesmas a um martírio insustentável
As dietas impõem restrições, são pouco flexíveis e pode-se dizer até que “funcionam” para apresentar rápidos resultados. E esses, supostamente, aumentam a motivação. Mas que motivação é essa que não cabe na rotina, não permite sociabilizar, requer a compra de alimentos especiais e promove a culpa e o julgamento? Seguir as regras de uma dieta desconsidera os sinais internos que cada um de nós temos de fome e saciedade. Fazer dieta não ajuda as pessoas a entenderem e nem a respeitarem seus corpos. E mais, elas ligam a possibilidade de ter um peso saudável e serem felizes consigo mesmas a um martírio insustentável.
É possível emagrecer sem sofrer? Sim. Mas deve acontecer de um jeito coerente, sem controle rígido de calorias, nutrientes e regras absurdas. Precisamos passar por essa mudança de paradigmas, ajudar as pessoas a aceitarem que precisam ser responsáveis por cuidar de si mesmas, todos os dias.
Essa mudança começa eliminando o prazo X ou Y para emagrecer. É fundamental considerar que o processo de emagrecimento pode ser longo. Mas será também perene.
Sim, é um consenso que para emagrecer devemos dar ao nosso corpo a quantidade de calorias e nutrientes de que ele precisa para funcionar bem, assim como ser fisicamente ativo (seja na academia, na quadra de tênis, lavando o quintal ou indo a pé para o trabalho), mas isso deve ser uma missão para a vida, não por uma semana ou um mês.
Mudar ou ajustar o comportamento alimentar é um grande desafio e deve considerar várias etapas. Vamos a elas: se dar conta de como, o quê, quando e quanto se come. Perceber e sentir tanto a fome quando a saciedade. Estar atento se há satisfação ao comer, se come por outras razões além da fome física, se come alimentos variados, se coloca a compra, o preparo e o planejamento das refeições como uma prioridade e se você se permite comer o que gosta sem culpa.
Não é possível, além de soar muito pretensioso, escrever todos os aspectos e variáveis da vida de uma pessoa em um papel chamado de “dieta”. Como uma pessoa pode detalhar horários, qualidades e quantidades que uma outra pessoa tem que comer? Fazendo uma analogia, comer diariamente o que outra pessoa determinou é quase como ter alguém que vai no seu guarda-roupa todos os dias e decide o que você vai vestir, quanto de frio ou calor você sente e de que cor você mais gosta. Estranho, né?
Infelizmente, quanto mais dietas uma pessoa segue mais ela se desconecta das suas sensações e vontades – e isso, repare, aumenta a insegurança que muitas vezes está diretamente ligada ao ato de comer desregradamente. Ter um projeto de perda de peso flexível vai te ajudar a não sofrer quando comer qualquer coisa que não esteja descrita “na dieta” ou que você se “prometeu” não comer. E aqui um esclarecimento: flexibilidade não é o oposto de perder peso, mas sim parar de achar que se comeu um macarrão no jantar estragou o processo e vai ter que começar tudo de novo. Precisamos pensar num equilíbrio do dia, da semana, do mês e da vida.
Nove em dez pessoas que emagrecem voltam a engordar, não dá mais para ouvi-las se lamentar achando que não foram abençoadas porque não são aquela uma que conseguiu. Está na hora de olharmos para essas nove e mudarmos juntos esse cenário. Não emagrecer não é falta de determinação e nem de força de vontade. A falha é das dietas, não das pessoas.
O paradoxo é lindo: quando deixamos de focar em perda de peso e passamos a seguir os sinais internos da fome, respeitando a saciedade, a consequência é não acontecer exageros alimentares e com isso acabamos emagrecendo. Sem neuras e prazos. Não mudamos nossa relação com a comida da noite para o dia, é um processo de reconexão, mas que com certeza nos leva para um lugar melhor.
Manoela Figueiredo é jornalista e nutricionista, coautora do livro Comer com Atenção Plena
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