Ser mãe: esse grande exercício de se despedir

Sobre o sofrimento que é dar adeus às roupas de recém-nascido, às noites sem dormir, à lancheira de escola, aos livrinhos, aos Pokémons. Mas também sobre o orgulho de ter criado uma pessoa legal

08.05.2019  |  Por: Gaia Passarelli

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Ser mãe: esse grande exercício de se despedir

Entre os vários clichês (alguns realistas) sobre a maternidade, existe o que diz que a mãe nunca está preparada para a adolescência do filho.

Até pouco tempo atrás eu brincava ao comentar com amigos que não estava pronta para sair da fase da infância e, ah, que saudades de quando meu filho era pequeno e gostava de fazer as coisas junto comigo, mesmo as mais prosaicas, tipo ir ao mercado.

Bom, meu filho tem 14 anos e venho pra dizer que: é tudo verdade.

Mas há outras coisas que são verdade também — e essas coisas tem tornado o lidar com a adolescência algo mais interessante (e até divertido) do que eu poderia prever. Porque muito da maternidade é sobre a impossibilidade de prever. E uma vez que você desiste de certas ideias tomadas como verdades inabaláveis, pode enxergar pontos bastante bons em tudo. Inclusive na adolescência.

A primeira coisa é que eu não vejo nem meu filho e nem a geração dele como apolíticos, acomodados, preguiçosos ou arrogantes — todos esses adjetivos ligados à ideia do adolescente insuportável, birrento, egocêntrico e egoísta. Basicamente, a adolescente que eu acho que fui.

Pelo contrário. Vendo de fora me parece que hoje a geração que tem entre 13 e 21 anos está mais preparada (pra não dizer mais combativa) para encarar o mundo derrotado deixado pelos baby boomers. Na mesa aqui em casa assuntos da atualidades, de ciência e (principalmente) da história estão sempre presentes e, por mais que eu veja a característica típica da idade de discordar, e provar que sabe sim do que está falando, enxergo também muita curiosidade e questionamento. Eu gosto disso.

Ser mãe não é só o amor imenso, é também um enorme deixar ir

Gosto também de ver como os gostos dele são diferentes dos meus. De como ele é capaz de articular ideias que não foram imitadas de mim. De olhar de longe um rapaz de cabelo comprido, uma camiseta legal (que não fui eu que escolhi) e fones de ouvido tocando alguma coisa que provavelmente não conheço, e pensar “olha, que menino bacana” seguido por “mas meu Deus, é meu filho!”.

Há outras coisas, claro. Dentre elas a saudade imensa de quando ele cabia no colo para pedir uma história antes de dormir. O nó na garganta quando abro a caixa com as roupas de quando era bebê, a falta que faz aquela certeza meio bicho de que não tem nada mais adorável no mundo do que a sua cria.

Mas ser mãe não é só esse amor imenso pelo bichinho que você botou no mundo, é também um enorme deixar ir. Desde o momento em que um filho nasce, é preciso aprender a se despedir. Se despedir das roupas de recém-nascido, das noites sem dormir, da lancheira de escola, dos livrinhos de história, da coleção de Pokémon, da cama repartida na manhã de domingo. Ser mãe de adolescente é trocar isso pela súbita realização de que os amigos agora são o centro do mundo. Por tomadas de decisão que assustam. Pelo medo de deixar sair debaixo da asa materna.

Tudo pode (deve) ser temperado com confiança no mundo, no filho e, principalmente, na educação que ele recebeu. Claro que não é fácil, que o “lá fora” parece cada vez mais horrível e que a educação que demos, por mais cheia de boas intenções, certamente foi falha em aspectos que agora a gente nem imagina. Mas é preciso tentar. Até porque não há outra forma de criar os filhos que não aprendendo com eles a urgência de confiar.

 

Gaía Passarelli é jornalista e escritora, autora de Mas Você Vai Sozinha? (Globo Livros, 2016). Nascida e criada em São Paulo, mora num prédio velho da Bela Vista com o filho, três gatos e uma crescente coleção de guias de viagem. Você a encontra no twitter @gaiapassarelli e no site gaiapassarelli.com

2 Comentários

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2 respostas para “Ser mãe: esse grande exercício de se despedir”

  1. Alessandra disse:

    Cara, tem um texto seu antigo, acho que do blog, que pra mim é o mais importante sobre maternidade. Não lembro o nome, ou detalhes, mas fala sobre a liberdade. Como faço para recuperar?
    Bj, há tempos na escuta
    Alessandra

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