Sobre amor, família e alguns perrengues

Um casal sobrevive a quatro filhos e a quatro mudanças de cidade? Sim! Mas é preciso muita clareza de quem somos juntos e quem somos separados, além, é claro, de uma vontade enorme de fazer as nossas escolhas darem certo

10.10.2017  |  Por: Lua Barros

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Sobre amor, família e alguns perrengues

Me casei cedo, aos 25 anos. Apesar de isso ser uma prática comum de onde eu venho, de alguma forma achei que comigo seria diferente. Eu queria ser executiva de multinacional, viajar o mundo e brincar muito carnaval. Casar não estava nos planos, muito menos ter filhos. Mas eis que o grande amor da minha vida reapareceu. Disse que estava com saudades da gente juntos e que dessa vez seria para valer. Era fevereiro de 2006. Cinco meses depois, a gente se casava no cartório do bairro mais charmoso da cidade. Mudamos nossos sobrenomes e fundamos nossa família. Um ato apaixonado, que deixou minha mãe enfurecida, mas que iria dizer muito sobre a maneira como conduziríamos nossas vidas dali para a frente. A vida era boa, namorar era a prioridade, na frente até de dormir e comer.

O primeiro filho veio no meio do caos, um ano e meio depois do casamento. Estávamos deixando nossas raízes para trás, queríamos ganhar o mundo, e São Paulo era nossa primeira parada. Já na gravidez experimentei o estranhamento que aquele terceiro elemento traria. Um filho era muita responsabilidade, e foi preciso reafirmar o amor e a parceria para seguir em frente. João era o mascote de todos os amigos. O filho que ninguém tinha coragem ou tempo de ter. A responsabilidade que nos colocava em um lugar diferente e nos fazia olhar o mundo por um ângulo novo, que dava muito medo, mas nos empurrava para frente. Como eu não tinha nenhuma expectativa sobre como seria ver o meu marido se tornar pai, fui pega totalmente de surpresa e me encantei com o que vi. Nos renovamos com a chegada de tantos desafios.

Irene foi o nome escolhido para a segunda filha, a primeira menina. Outro universo, novas descobertas, mais responsabilidades. Irene trouxe a consciência sobre o feminino. A importância da gente se cuidar e olhar umas para as outras. Ou feminismo. Ver Pedro se apaixonando por essa outra mulher, estendendo a ela todos os cuidados que tinha comigo, foi muito forte. Era lindo e ainda é. E segundo filho vem com um selo de tranquilidade que muda tudo. Eu sentia que dava conta, sem medo. Ganhamos coragem. A nossa relação de marido e mulher parecia ter amadurecido, sem necessariamente envelhecer ou se desgastar. Estávamos mais afiados, daquele jeito que só de se olhar a gente já sabia o que o outro queria. Era como se estivesse ficando mais fácil. E estava.

A terceira filha veio como um raio. Três complicou o negócio. O que mais muda com três filhos é a logística. É como se a gente tivesse mudado de categoria, recebido um upgrade não solicitado, que apesar de nos deixar bem felizes, criou um clima de desconfiança: como é isso? É sério ou é brincadeira? Mas era sério mesmo. E Teresa nos trouxe a certeza de uma missão, de um compromisso com o mundo e com a gente mesmo. A primeira atitude foi comprar uma cama maior. Ter uma king size foi fundamental nesse momento.

Naquele ponto a gente se olhou como casal e estávamos felizes com o que tinha acontecido. Nenhum de nós vem de família grande, então aquele bando de criança era uma forma de redenção, de refazer os passos, de ressignificar valores e crenças. Foi um mergulho para dentro, tanto individualmente quanto no nosso pequeno grande grupo. E aí, acho que tem um truque para que o casamento resista: olhar na mesma direção. Isso facilita tudo. Queríamos e acreditávamos nas mesmas coisas, que era a nossa família. Isso dá um tesão da porra.

Mudamos de cidade, mudamos de profissão. Nos adaptamos a uma nova realidade de grana, refizemos sonhos. Viajar o mundo já havia deixado de ser prioridade e a gente queria mesmo era um quintal para ver as crianças crescerem. Fomos em busca desse novo lugar e, assim, vivemos a nossa pior experiência como família. Conviver com uma decisão errada é avassalador, e a gente tinha duas opções: ou nós dávamos a mão para sair daquilo juntos ou nadávamos em direção oposta, tentando cada um salvar a própria pele. Passar perrengue juntos é o “pagar para ver”. Se as dificuldades são superadas, você ganha mais vida, pode recomeçar o jogo com vantagem e, depois, os problemas precisam ser grandes de verdade para causar qualquer tipo de medo. Mais uma mudança de cidade e, dessa vez, uma cumplicidade nova. Não sei explicar direito, mas a gente se transformou muito. Acho que buscar a solução juntos nos fez crescer.

Eis que a gente se olha um dia e fala sobre a possibilidade de ter mais um filho e na sequência eu engravido, porque eu não tô pra brincadeira nesta vida. Quatro. Mais um upgrade. Quatro filhos não é exatamente algo comum de se ver hoje em dia. Os carros não são pensados para famílias de 4 filhos, os apartamentos também não, nem as mensalidades das escolas. Joaquim fez a gente arregaçar as mangas. Não tínhamos outra opção. Para fazer essa história dar certo, só trabalhando juntos. Ao mesmo tempo, tanto eu quanto o Pedro voltamos a olhar para as nossas necessidades individuais. Esse percurso na construção da nossa família deixou claro que só daria certo se a gente buscasse realizações individuais. Chegamos até aqui porque sempre existiu muito respeito pelo que cada um faz, por quem cada um é, do que cada um gosta. Entendemos que não existimos para satisfazer um ao outro e que essa família vai ser incrível como a gente deseja se na base os dois estiverem inteiros.

Hoje, olhando para trás, penso que ao longo desses anos o casamento se transformou, porque a gente se transformou demais. O amor permitiu nosso crescimento e a admiração orientou nossas decisões. Existe uma clareza muito grande de quem somos juntos e separados e existe uma vontade enorme de fazer as nossas escolhas darem certo. Nesses mais de dez anos de convivência, tivemos poucos embates e muitos diálogos. E se existe um conselho, uma regra, uma receita de sucesso para que o casamento sobreviva ao tempo e aos filhos, é manter a comunicação em dia. Amor, tesão, companheirismo e vontade de ficar junto vão existir se existir diálogo, vontade de crescer e de ver o outro crescer. É simples, mas é difícil ao mesmo tempo. No entanto, a perspectiva de andar bem acompanhado neste mundo tão maluco me parece suficiente para continuar querendo manter a conversa em dia.

 

Lua Fonseca é mãe de quatro crianças, mas ainda acha pouco, por isso escreve um blog e é facilitadora de grupos de mulheres e gestantes, com quem pratica a escuta terapêutica. É viciada em yoga e quer virar vegetariana, mas desiste sempre que vê um hambúrguer. Casada com Pedro, acredita no amor

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