Sobre maternidade, monstros mitológicos e DNA

Pesquisa recente mostra o que sempre soubemos: nossos filhos não saem de nós depois que nascem (mas no caso é literalmente)

24.07.2019  |  Por: Nanda Felix

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Sobre maternidade, monstros mitológicos e DNA

Ser mãe é padecer no paraíso, diz o ditado. Pelo menos até o dia em que você acorda e se depara com um artigo de 2015 intitulado: Pregnancy Souvenir: Cells That Are Not Your Own, ou no bom português: “Souvenir da Gravidez: Células que Não São Suas”.

Basicamente o que o artigo conta é que cientistas holandeses fizeram um experimento com os corpos de 26 mulheres que morreram durante ou após dar a luz a bebês meninos. Eles buscavam em suas células a presença do cromossomo Y. Parece estranho? Pois eles encontraram o cromossomo masculino em todos os órgãos que procuraram: cérebro, coração, rins e por aí vai.

Segundo os cientistas, a partir da sétima semana de gestação é possível que as células do feto se misturem as células da mãe. Algumas vezes elas desaparecem um tempo depois do parto, mas muitas outras não. Elas se transformam em tecidos que são assimilados pelo corpo da mulher-mãe que por sua vez carrega as células do seu filho(a) por toda a vida.

Isso não acontece só com as mães de meninos, mas por razões óbvias a pesquisa se concentra nesses casos porque é mais fácil distinguir a presença de cromossomos Y em um corpo feminino, que só deveria possuir cromossomos X.

Somos consideradas quimeras humanas por carregar DNAs diferentes

E você sabe qual o nome dado a este fenômeno? Microquimerismo. Sim, as quimeras, aqueles monstros mitológicos com cabeça de leão, corpo de cabra, rabo de serpente e asas de dragão. Aquelas feras que soltam fogo pelas narinas. Pois é, somos consideradas quimeras humanas por carregar em nossos corpos DNAs diferentes. Qualquer outra semelhança, no entanto, é mera coincidência.

Mas isso tudo ainda é um mistério para a ciência, e suas consequências para o corpo da mulher-mãe a longo prazo também são, mas os cientistas já arriscam dizer que essas células fetais que se implantam nos órgãos da fêmea-mãe podem trazer tanto benefícios quanto riscos à sua saúde.

Alguns médicos investigam se elas poderiam se transformar em tumores, outros acreditam que na verdade elas podem melhorar a imunidade da mulher como por exemplo ajudar a cicatrizar feridas e quem sabe aumentar os laços da mãe com sua cria durante o período pós-parto. O que eles afirmam é que isso com certeza influencia a biologia do corpo feminino.

O curioso dessa pesquisa, que talvez ainda leve muitos anos até ser concluída, é que essas hipóteses não são contraditórias. Veja: é possível que as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo. As células fetais transferidas ao corpo da mãe podem proteger e ao mesmo tempo causar uma série de comprometimentos à sua saúde. Já é possível afirmar por exemplo que as células encontradas nas tireoides de mulheres que já apresentavam algum tipo de comprometimento no órgão causam danos maiores ao mesmo. A chance de uma mulher com algum problema na tireoide desenvolver uma doença mais séria no órgão após ter um filho é enorme. (Este é meu caso!)

Algumas pesquisas já mostram a maior presença de células fetais em pacientes com Parkinson por exemplo. Ao mesmo tempo elas são encontradas em menores quantidade em pacientes com Alzheimer.

Além dos possíveis riscos e benefícios para a saúde biológica da mulher-mãe, também está sendo estudado quais seriam as questões para a saúde mental e para o comportamento dessas mulheres. Mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido até que se chegue a qualquer conclusão.

Existe ainda a hipótese que filhos caçulas carreguem células dos filhos mais velhos que foram transferidas para a mãe e depois transferidas para o outro filho.

Ao ler a matéria e procurar outros links relacionados me deparei com duas reações que, tal qual a pesquisa, não se contradizem. A primeira é que para mim, uma mulher-mãe cética, sem crenças religiosas ou espirituais, é confortante perceber na ciência o que já intuía de muitas maneiras. Parir não me separou completamente do meu filho. Somos parte da mesma matéria e ele continua de algum jeito dentro de mim. E isso não é necessariamente bom ou ruim, é as duas coisas ao mesmo tempo. Assim como tudo que envolve essa questão. A segunda é que por mais bonito que seja, isso ainda pode me fazer muito mal.

Nanda Félix é escritora, roteirista, diretora e atriz. É criadora e colunista da plataforma Héretica.co, que fala de sexo e discute a heteronormatividade.

 

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