To follow or not to follow, eis a questão
Se antes seguir as pessoas certas era cool, e deixar de seguir alguém era um manifesto "político", hoje é um ato de autoamor, em prol da nossa saúde mental. Na era da inquisição das blogueiras, será que o unfollow é a solução dos nossos problemas?
11.02.2022 | Por: Mariana Caldas
Parece que o unfollow é a única tendência verdadeira das redes nos últimos anos. Se antes seguir as pessoas certas era cool, e deixar de seguir alguém era um protesto, um manifesto “político” ou um cancelamento, hoje é um ato de autoamor, feito em prol da nossa saúde mental. De um lado o alívio, do outro a rejeição. Mas será que limpar o nosso feed é mesmo a solução de todos os problemas da vida moderna?
Eu sou super a favor de uma boa limpa vez ou outra, principalmente porque a nossa energia muda e o que fazia sentido antes pode simplesmente deixar de fazer, sem muito drama. Também sei que o que os olhos não veem o coração não sente, e que os nossos heróis sempre podem morrer de overposting. Mas ultimamente tem uma coisa que sempre me encontra quando eu penso nesse assunto: o que me incomoda pode ter mais a ver comigo do que com o outro.
Eu sei que essa é a última coisa que a gente quer ouvir ou pensar quando deixa de seguir alguém por puro incômodo. Mas qual é a chance de você deixar de seguir essa pessoa hoje, e amanhã, de repente, começar a se incomodar completamente com um outro @ qualquer? Não tenho dados estatísticos, mas sinto que é completamente possível, rs.
A negação é gostosa demais e projetar tudo no outro sempre pode ser mais confortável, e até parecer resolutivo, mas às vezes encarar o que a gente está evitando pode doer menos do que a gente imagina, e talvez, quem sabe, mudar a nossa vida de verdade. A autocompaixão é poderosa porque ela olha pra gente e pergunta: se eu só consigo olhar para o outro com os olhos da crítica, como será que eu estou olhando pra mim mesma?
Sempre que eu me pego muito incomodada com alguém na internet eu me pergunto: será que tem alguma parte minha que também gostaria de estar fazendo isso, de ter isso, de ser isso? E se sempre que você sentir um nervoso durante aquele scroll sem destino você se perguntar: qual é o talento ou o desejo que eu estou escondendo de mim mesma?
Julgar tudo e todos o tempo inteiro dá uma falsa, porém deliciosa, sensação de superioridade, mas também deixa a gente pequeno, tentando encaixar a nossa vida no que a gente acha que se espera de “uma pessoa que merece ser amada e respeitada pelos seus”, ou no que parece ser pré-concebido como certo. Eu sempre prefiro navegar por todos os tons de cinza que nos cercam, e penso que se estamos abertos para olhar para o nosso incômodo com amor e consciência, aquela pessoa que hoje merecia um unfollow pode até parecer um pouco simpática no dia seguinte. Assim, feito mágica.
O outro lado da moeda é que se você está deixando de seguir, você também deve estar deixando de ser seguido, e ninguém quer se sentir rejeitado. A rejeição não é um sentimento simples de lidar, ela ameaça o nosso instinto de sobrevivência mais profundo que é a necessidade de se sentir seguro para seguir vivo. O resultado pode ser ainda mais enlouquecedor do que já era antes, porque deixa essa miragem que é o Instagram ainda mais movediça.
É difícil ter clareza de quem a gente é, do que a gente acredita, e do que a gente sente de verdade, de dentro para fora, quando somos bombardeados com todos os tipos de “o que você deveria fazer”, “o que você deveria ser” e “o que você deveria pensar” antes do café da manhã. O tom acusatório e imperativo da internet faz até Buda achar que está fazendo alguma coisa errada, e depois não, e depois sim, e depois não, e depois com certeza em menos de 10 segundos de scroll.
Ao mesmo tempo que incorporamos o discurso de que a nossa saúde mental é a coisa mais importante, e que precisamos cuidar dela sim, a gente não permite que ninguém seja feliz no Instagram. E se a gente trocasse a polaridade das coisas? Ver uma pessoa muito realizada na internet também pode ser uma inspiração para você olhar para o que você ama na sua vida, independente do que não está do jeito que você gostaria, ou para simplesmente tentar mudar o que não está funcionando.
Talvez o mais importante seja navegar neste mar revolto da comparação sabendo quem a gente é, pisando firme no nosso próprio caminho, com a consciência de que, por mais que a gente queira, este metaverso 2D não vai ser capaz de traduzir a complexidade da vida em sua totalidade. E uma boa saída pode ser tentar olhar com amor, inclusive para o que a gente não concorda, inclusive para o que é diferente da gente, inclusive para quem a gente não quer seguir, e principalmente, para a nossa própria vida. Porque se a gente deixa o outro ser o outro, a gente também pode ser a gente. De verdade.
Mariana Caldas é diretora, fotógrafa e jornalista, seu trabalho autoral investiga e revela a natureza selvagem que vem de dentro
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