Todas as letras do Orgulho LGBT+

Fizemos as mesmas perguntas a cinco artistas inspiradorxs, cada um representando uma opção da sigla básica do arco-íris

28.06.2020  |  Por: Carolina De Marchi

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Todas as letras do Orgulho LGBT+

L

LUANA HANSEN

DJ, MC, produtora musical, feminista e ativista. Hoje é um dos principais nomes do hip hop brasileiro.

Do que você se orgulha?

Me orgulho de ainda estar viva, casada com filhos constituindo uma família nada heteronormativa, de ter, através da minha arte, catando na Alemanha, Áustria e ainda consegui ensinar rap em alemão! Criar um CD com as meninas da Fundação Casa usando uma sela, um laptop, um microfone e uma placa de som, meu home-studio.

Qual é o seu estado mental atual?

Vivo numa eterna aprendizagem, uma eterna reconstrução. Hoje tento meditar, treinar mais a paciência, tento controlar a ansiedade e me fortalecer todos os dias. Sinto que sou muito privilegiada de ter uma família, que não me deixa entrar em depressão. Muito pelo contrário: fazem questão de me lembrar a todo momento o que realmente importa: o amor.

O que tem te incomodado?

O racismo. Hoje mesmo ajudei meu filho Lênin num chat da escola onde o tema era violência contra os negros. E percebi o quanto é difícil falar sobre realidade neste país de justificativas.

Uma inspiração:

Madam C.J.Walker

 

G

GABEU

Cantor e compositor em ascensão, filho do cantor Solimões. Está desafiando o machismo e a heteronormatividade como precursor do Pocnejo (derivado de um termo muito usado pela comunidade LGBTQ+ geralmente direcionado ao se referir à um gay afeminado).

Do que você se orgulha?

Me orgulho quando vejo que minha representatividade importa para muitas pessoas, especialmente para meninos gays do interior que sempre me mandam mensagens de apoio dizendo como cresceram ouvindo sertanejo no interior, num contexto mais rural, e longe da cidade grande e nunca tiveram a possibilidade de se enxergar numa figura que tivesse as mesmas raízes. É extremamente gratificante e me faz perceber que estou no caminho certo.

Qual é o seu estado mental atual?

Me encontro num mix de emoções! A quarentena tem mexido muito com minha cabeça, um dia me sinto encorajado, acordo disposto, quero colocar minhas ideias em prática, compor músicas novas e tudo mais, e no outro dia se eu tiver ânimo de levantar da cama já é muito (risos). Tô tentando achar um equilíbrio e não me pressionar demais a ponto de ficar louco achando que eu preciso criar, preciso compor e preciso estar o tempo todo ativo, quando na verdade às vezes o que eu preciso é ficar mais quietinho.

O que tem te incomodado?

Quando chega essa época do ano, do mês do orgulho, a gente vê o arco-íris estampado em todo canto e todas as empresas, marcas, sites, portais nos amam, mas acredito que uma parcela se esquece que nós existimos durante todo o ano, e mais do que isso, alguns parecem se preocupar em se comunicar apenas com um pequeno grupo da comunidade e acabam se esquecendo da pluralidade que existe, sabe? Por exemplo, sempre tem “playlists LGBTs” e quando vamos ver os artistas são todos homens gays, como se não existissem artistas lésbicas, trans, bissexuais e enfim, outros tantos tipos de pessoas com outros tantos tipos de identidade de gênero e sexualidade.

Uma inspiração:

Orville Peck, um cantor country americano gay que tem ganhado meu coração desde que eu o descobri no ano passado, ele possui uma sonoridade bem característica de um tipo de country mais antigo e um visual extremamente único, eu amo demais!

 

B

JARID ARRAES

Escritora, cordelista e poeta. Nascida no Cariri, é autora do premiado Redemoinho em Dia Quente e dos livros Um Buraco com meu Nome, As Lendas de Dandara e Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis.


Do que você se orgulha?

Eu me orgulho das escolhas coletivas que faço com meu trabalho. Muita gente pode ter a percepção de que ser escritora é um ofício solitário, mas, mesmo quando estou em períodos de escrita, muito mais reclusa, a forma como escolho abordar os temas das minhas obras, meu vocabulário, tudo passa pelo momento em que busco compreender e direcionar a importância que aquilo pode ter coletivamente, não só pra mim e não só como autora. A literatura cria uma relação tão intensa com quem lê, consegue apresentar questões complexas e muito profundas de forma fluida, de um jeito que torna mais fácil a reflexão, a identificação e até a chegada de uma nova forma de pensar. Personagens fazem isso o tempo todo, são canais muito poderosos que nos ligam uns aos outros, por mais diferentes ou parecidos que sejamos. Eu estou ativamente construindo oportunidades para que outras autoras, principalmente iniciantes, se sintam parte de uma rede. Foi o que me fez criar o Clube da Escrita Para Mulheres, por exemplo. Espero que assim eu consiga fazer alguma diferença positiva nas jornadas de outras.

Qual é o seu estado mental atual?

Com toda a realidade da pandemia, minha mente anda entre sentimentos cansativos. Até a apatia é cansativa. Acho que está difícil pra muita gente. A relação com o presente é de medo, e raiva, e uma certa preocupação ou convicção de que muita coisa nunca mais vai ser parecida com sua forma anterior. Tenho escrito um diário do isolamento no blog da Companhia das Letras e por lá consigo extrair a bagunça, fazer com que ela converse com outras pessoas. E assim temos nos encontrado.

O que tem te incomodado?

Algo que sempre me incomoda, que é como muitas pessoas acham que não fazem parte de um problema.

Uma inspiração:

Minha maior inspiração é a Lady Gaga. Acho que neste momento, com tudo o que estamos vivendo, ela faz escolhas muito importantes, escolhas voltadas para a coletividade. Ao mesmo tempo em que lança um dos seus melhores e mais coesos trabalhos artísticos. As letras do novo álbum, Chromatica, são muito estimulantes pra mim, me colocam pronta pra escrever. E não são muitos artistas, sobretudo com o “tamanho” da Lady Gaga, que se envolvem tão profundamente com as urgências dos nossos tempos.

 

T

LAERTE

Precisa apresentar? Laerte é ilustradora, roteirista e uma das mais importantes cartunistas do Brasil.

Do que você se orgulha?

Bom, acho que de nada. Gosto do que faço, às vezes gosto bastante, até. Mas não sei se me orgulho. Não entendo direito o conceito, acho. Quando penso em “orgulho LGBT” ou “orgulho negro” – o black pride –, compreendo como contraponto e contraposição a “vergonha”, que é o que o preconceito e a opressão buscam imprimir nas populações. Fora isso, num plano pessoal, é um tanto abstrato.

Qual é o seu estado mental atual?

Uma mistura, pra variar – sensação de estar entendendo finalmente alguma coisa importante, alternando com sensação de não estar percebendo nada; vontade de resolver coisas que sozinha não vou resolver; percepção de ter vivido muito, certeza de estar deixando de conhecer e viver muito mais. Agonia de ver que nos metemos (o país) numa canoa furada, sem remos e cheia de explosivos. Certeza de que vamos sair dessa mas desconfiança de que poderá ser muito tarde.

O que tem te incomodado?

Essa sinuca em que estamos – estou falando tanto do país, com o governo delinquente que elegemos, quanto do mundo, já instalado numa situação de calamidade ambiental.

Uma inspiração:

O trabalho da Rutu Modan. É uma quadrinista israelense que tem tocado cordinhas muito íntimas do meu espírito.

 

+

MAJUR

Lucas Nogueira/divulgação

Revelada ao mundo pelos olhos de Caetano Veloso, Majur desponta na nova cena musical brasileira com seu afro-pop de identidade plural e formas múltiplas de amar.

Do que você se orgulha?

Eu tenho orgulho de ser eu mesma.Tenho certeza de que, hoje, sou a pessoa Majur que nasceu em 21 de outubro de 1995 na Bahia. Depois de tanto tempo, de muita luta, muito combate e força contra o racismo, o preconceito e a pobreza. Minha vida não foi uma vida muito fácil e mesmo sendo muito nova, eu tenho muitas histórias e experiências para contar. Experiências de vitória e força, porque eu acreditei muito em mim. Me sinto extremamente completa hoje em dia.

Qual é o seu estado mental atual?

Neste momento eu tenho buscado muita força na energia que eu acredito, mesmo com tudo o que está acontecendo, tanta tragédia no mundo. Não só a questão do coronavírus, mas as questões étnicas e raciais. A gente tem avanços e eu me sinto feliz inclusive sobre esses avanços. Falando da pandemia, é uma tristeza, porque cada vez mais pessoas morrem e a gente percebe até onde a imprudência do ser humano leva a ele mesmo.  Tem muita gente que não se protege, que não entende, que acha que já pode voltar. Toda vez que eu vejo um número, eu me sinto triste. Por outro lado, tenho buscado essa força, porque as pessoas que estão ali comigo nas redes sociais, elas também precisam de força e eu tenho trocado demais com elas, sabe? Eu preciso também trocar com elas para me sentir forte, para que elas se sintam fortes. E está sendo também incrível este momento. A pandemia não veio só para marcar um fim, mas veio também para marcar um recomeço. As pessoas podem agora se sentir de verdade, sentir o outro, trocar de verdade, sem tanta distinção do que é, o que não é, qual poder você tem. Estamos todos no mesmo barco.

O que tem te incomodado?

A distância social. Eu sou de Salvador, né? Sou uma pessoa que precisa do contato físico, do abraço, da energia, de sentir a energia das pessoas, e através da internet é mais difícil. Isso tem me incomodado bastante. Eu queria estar mais perto dos meus fãs, viajando, fazendo shows, conhecendo o mundo. Estou nesse momento da minha carreira. De repente tive que parar tudo para dar atenção à nossa saúde. É legítimo também darmos atenção à nossa saúde, porque é importante. Inclusive o número de mortes hoje é por pessoas que não dão legitimidade a essa pandemia. Eu sinto esse desespero. Eu preciso encontrar as pessoas!

Uma inspiração:

Os meus orixás. Eles são quem está ali comigo, quem me move, quem me dá força. Eu não seria nada sem eles.

 

Carolina De Marchi é  jornalista, gestora de projetos, produtora cultural e viajeira latino-americana. Aprendiz de poeta, amante de sotaques, pessoas e boas histórias. Poderia ser cônsul ou trabalhar no circo

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