Todo padrão é uma mentira

Uma das integrantes do Rap Plus Size, Issa Paz escreve sobre o que vem cantando Brasil adentro, ao questionar os modelos que nos são impostos desde a escola

26.03.2018  |  Por: Issa Paz

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Todo padrão é uma mentira

Algumas escolas usam uniforme. Ele obviamente não é pra fazer marketing. Assim como no exército, os uniformes escolares servem para facilitar a identificação, e assim exigir que essas pessoas se encaixem dentro de um padrão definido – que vai muito além do que simplesmente usar uma mesma roupa. Se alguém ali não se encaixa, pode ser excluído. Funciona na escola, em muitos ambientes de trabalho e também na nossa sociedade de forma geral.

Como assim? Mesmo você não estando na escola, nem numa empresa que exige uniforme, a sociedade (e a mídia de massa) define padrões. E padrões existem de formas distintas em diferentes meios e culturas, são importantes para sabermos nos diferenciar uns dos outros como seres sociáveis. Seria bonito, se não limitasse um universo de diversidades, se não deixasse de fora algumas tantas coisas.

E padrões vão muito além da beleza, da estética ou da definição do que é magro, branco e europeu. Existem padrões psicológicos, de comportamento, socioeconômicos, de gênero, sexualidade, raciais etc. O padrão é a norma. O padrão é o que o sistema condiciona à estrutura do capital para manter a população sob controle.

Mas quem inventou isso? A mídia, as indústrias e a sociedade civil como um todo são cúmplices e coautoras desses padrões normativos, autorizando, endossando e alimentando valores distorcidos que se arrastam pelas gerações. Valores que se estabelecem como regras e que não devem ser questionados.

Quando se questiona, o padrão cai por terra, é lógico.

A elite branca que pensou em estabelecer um padrão estético ao criar o primeiro concurso de beleza trouxe um padrão europeu para um país tropical onde a maior parte da população é preta e indígena. É por isso que os resultado dos concursos de beleza não variam muito até hoje.

Isso coloca as pessoas em gaiolas invisíveis. Não se procura conhecimento, só se vive num ciclo incansável atrás da beleza ideal, do comportamento ideal, da vida ideal, do casamento ideal, e assim fica mais simples manter o povo sob domínio, e tornar nossos direitos um assunto de menor importância.

Mas, até quando vamos nos preocupar em alcançar padrões que trazem a perfeição do Photoshop?

Padrões são uma mentira, uma ilusão bem planejada que faz boa parte da sociedade crer, religiosamente, em tudo o que lhe é imposto, menos em si mesma, seguindo perdida em busca de alguma satisfação pouco duradoura que lhes conduza à próxima compra. Mesmo assim, ainda é possível ter uma fisgada de lucidez que entra como uma fresta de luz na rachadura da telha, ainda é possível nos enxergar para além do que querem que sejamos e buscar dentro de nós quem somos e quem queremos ser. Sem medo, pois encontrar a si mesmo é encontrar o mundo e perceber que não estamos sozinhos nessa luta. A luta de romper, tijolo por tijolo, esse imenso muro que a sociedade capitalista e o estado construíram para nos dividir.

Issa Paz é rapper e integra o duo Rap Plus Size

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