Uma gorda na televisão

Como uma mulher 'plus size' que está na grande mídia gosto de refletir sobre uma coisa chamada representatividade gorda: porque sim, é importante meu corpão passando por aí

13.08.2018  |  Por: Rafaela Ferreira

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Uma gorda na televisão

Sou gorda e além disso sou atriz desde criança. Tive o privilégio de viver personagens bem resolvidas com seus corpos gordos nas novelas de que participei. E por estar na televisão, este receptáculo de pessoas magras, sempre me perguntam: “Como é que você se aceita do jeito que você é?” Sempre achei estranha essa pergunta. Afinal de contas, não existe outro jeito de ser, além daquele que você é. Não é mesmo?

Mas se você é uma pessoa gorda, vai ouvir muito esse tipo de pergunta. Minha resposta é sempre a mesma: “Faço como você, não me aceito completamente.” Afinal, percebo que não são só as pessoas gordas têm questões com a aceitação pessoal. Todos temos questões. Certo?

Mas, longe de mim querer diminuir esse tipo de pergunta e suas possíveis respostas. Então vamos lá: teve um momento na minha vida em que eu percebi que precisava de fato mudar o meu ponto de vista em relação a mim mesma e às outras pessoas gordas. Me vi sobrecarregada de emoções e pensamentos depreciativos sobre ser gorda e quis olhar isso de outra forma.

O primeiro ponto importante para mudar foi perceber que eu estava aceitando passivamente um verdadeiro bombardeio de referências magras, e isso me afeta, sim! Tomei as atitudes que estavam ao meu alcance: parei de seguir apenas as blogueiras fitness, as “mesmas caras de sempre da TV”, e passei a seguir as atletas gordas, yoguis gordas, cantoras, atrizes, bailarinas, lutadoras e modelos gordas. Foi um passo maravilhoso! Indico para todo mundo. Me rodeei de referências e isso fez crescer em mim a consciência de que eu sou, eu mesma, uma referência gorda para os espectadores.

Podemos afirmar com toda certeza que as coisas estão mudando. Hoje, gordas são também referência e isso já é bem diferente do que foi um dia. Mas apesar dessas vozes e corpos terem se levantado, ainda existe um longo caminho de desconstrução da gordofobia a ser percorrido. Especialmente nas tramas das ficções.

Analisando as produções ficcionais, vemos que a maioria das tramas reserva para os gordos aqueles personagens caricatos e estereotipados: são os engraçadões, os que comem o tempo todo ou os lerdos e preguiçosos. Tem também aquele tipo melhor amigo dos protagonista, que parece bacana mas suscita a pergunta: porque eles mesmos nunca são os protagonistas? Ainda é preciso esforço, ainda é preciso desconstrução e coragem. É preciso querer pensar diferente e, claro, pesquisar, mergulhar. Analisar e entender.

Muitas vezes, nas produções em que trabalho, sou a única atriz gorda, e olha que não estamos falando de equipes reduzidas, mas de elencos com algumas dezenas de pessoas. É uma realidade opressora não só pra mim, que estou ali trabalhando, mas para todos que assistem e não se reconhecem nos corpos da grande maioria dos personagens.

E quer saber o que é mais cruel? Estar rodeada de gente magra que se sente gorda e que “precisa” se manter num corpo magérrimo. E talvez precise mesmo, porque quantas gordas essa pessoa está vendo em volta?

Rafaela Ferreira é atriz​ ​e ​educadora. Está no ar na novela As Aventuras de Poliana, do SBT, e no teatro com a peça Se Existe Eu Ainda Não Encontrei, ao lado de Helena Ranaldi. É sócia-fundadora da Fabriqueta Produções, que desde 2011 produz obras audiovisuais, teatrais, mostras e oficinas

 

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